O porta-voz da associação Juízes para a Democracia, José Luis Ramírez, analisa temas candentes numa extensa entrevista a GARA.

GARA. Com a lei atual na mão, não se pode dar nenhum passo para uma verdadeira relaxação ƒ, flexibilização da situação dos presos vascos?

J. Luís Ramírez. Há que diferenciar. Na fase de investigação, julgamento e ditado da sentença aplica-se a legislação vigente. Onde sim cabem mais possibilidades de manobra é na fase de execução da condenação firme uma vez imposta. Que possibilidades teria? Eu acho que há que valorizar o que foi o comunicado de ETA, no que decide pôr fim ao uso da violência para conseguir objetivos políticos, e o tomar em consideração. Por exemplo, quando se trata da classificação dos penados; a maior parte dos terroristas de ETA condenados com sentença firme foram geralmente classificados em primeiro grau penitenciário, pelo que tinham umas restrições bastante duras de encarceramento em regime fechado, sem possibilidades de acesso a permissões e com dificuldades para conseguir benefícios penitenciários. Também caberia ter em conta à hora de determinar a possibilidade de algum adiantamento da liberdade condicional. Os requisitos que estabelece a própria lei penitenciária podem ser interpretados tendo em conta todos os contextos.

G. Compartilha você então que, com a lei atual na mão, sem mudar uma vírgula, poderiam ficar na rua presos que cumpriram as três quartas partes, presos doentes, afetados pela doutrina Parot…?

J.L.R. A pergunta é complicada. Teria que ver cada caso individualizado, mas aí há um problema que provem da «doutrina Parot» e é uma situação que eu considero insustentável. Não pode ser que a Sala 2ª do Tribunal Supremo, durante muitíssimos anos, mantenha uma linha jurisprudencial aplicando o Código Penal de 1973 sobre o cómputo da pena, quando se acumulam, e que no ano 2006 isso mude por uma resolução da Audiência Nacional e se estabeleça uma doutrina completamente diferente. Porque isso muda também as expectativas legítimas da pessoa condenada que tinha durante o cumprimento dessa condenação. E o que não pode ser também não, à margem da crítica que se pode fazer à sentença do Tribunal Supremo, é que o Tribunal Constitucional ainda não entre no fundo. Não é aceitável num Estado constitucional que durante tantos anos não se tenha resolvido o fundo da questão quando se trata de algo que afeta um direito fundamental básico, que é a liberdade individual.

O problema que propõe a «doutrina Parot» é que não somente está a supor o alongamento das penas das pessoas condenadas conforme ao Código Penal de 1973, senão que também tem ou pode ter incidência em outros fatores, que ainda não se determinou qual é o alcance. Porque, qual é o cómputo para o acesso à liberdade condicional? Qual é o cómputo para a determinação do acesso às permissões? Isso está a gerar bastantees problemas e o que seria lógico é que o Tribunal Constitucional entrasse de uma vez no fundo do assunto.

G. Existe algum impedimento, que não seja político, para acabar com a dispersão?

J.L.R. Juridicamente não há nenhuma norma expressa que estabeleça que o penado tem direito a cumprir a sua condenação num centro penitenciário próximo do seu domicílio. Mas do artigo 12 da Lei Penitenciária e do próprio regulamento penitenciário parece deduzir-se que o lógico, de acordo com a finalidade de reinserção, é que as condenações se cumpram em um centro penitenciário próximo. Talvez no seu momento podia ter alguma justificativa, embora é algo que já escapa ao que são critérios estritamente jurídicos, porque se trata de decisões políticas. A administração penitenciária toma as suas decisões. Claro, em Euskadi há três centros penitenciários, não são muito grandes e com essas pessoas condenadas, talvez isto poderia dificultar não somente a reinserção da pessoa penada, porque num meio onde possam se ver pressionados aqueles que defendam legitimamente sair da influência da banda terrorista e utilizar vias pacíficas para conseguir finalidades políticas, pois poder-se-iam ver pressionados. Mas estas circunstâncias parece que mudaram. Em todo o caso, a decisão corresponde à administração penitenciária e ao Governo. Mas sim parece razoável que, diante da circunstância atual, o cumprimento se realize nos centros próximos.

G. Salvando as distâncias entre o conflito basco e irlandês, acha que mais adiante pode chegar-se a aplicar medidas de liberdades condicionadas ou inclusive indultos como passou em Irlanda?

J.L.R. Primeiro, eu acho que o tema terminológico é importante. Cometer um facto delituoso, tanto se o cometeu uma banda terrorista como se o cometeu uma organização paramilitar financiada pelo Estado espanhol, não é um conflito, são delitos. De facto, a trama do GAL era absolutamente ilegítima; foi uma reação ilegítima do Estado e por isso há pessoas que foram condenadas.

O conflito pode ser político em relacionamento com aquelas pessoas que, não utilizando vias violentas, senão vias pacíficas, têm uma visão sobre qual deve ser o futuro do País Vasco diferente ao de outras pessoas. Partindo daí, que medidas poder-se-iam adotar? O conceito de negociação é algo que escapa ao âmbito jurídico. É o Governo quem tem que tomar as decisões que creia convenientes.

Em matéria de indulto, a lei permite uma margem de discricionariedade bastante ampla para, atendendo às circunstâncias da cada caso e nunca de forma generalizada -porque a Constituição proíbe a amnistia ou os indultos gerais-, deixar de executar a pena imposta ou eliminar essa pena e a substituir por outra. Eu acho que teria que ver-se cada caso concreto, a circunstância da cada pessoa, e é necessário que isto se faça. Partindo de uma consideração: o relevante é que ETA não faça isto por motivos puramente táticos, senão que revele uma verdadeira vontade de se dissolver e de que através de vias pacíficas se possam defender os postulados da esquerda abertzale. Eu acho que os resultados eleitorais estão a pôr de relevo que quando se utilizam vias não violentas, em democracia tudo é admissível.

G. Já que citou o GAL, aí sim se aplicaram indultos parciais e excarceração sem problemas. Valeria como precedente?

J.L.R.Não acho. Se em algum momento se fez-se mal não tem por quê se fazer mal também agora. Há que ver se há uma vontade real e não fictícia de abandonar o uso da violência e utilizar a via pacífica.

G.Sortu recorreu contra a não inscrição e o caso está no Constitucional. Que impedimento vê para que não seja legalizado?

J.L.R. Não acho que a Lei de Partidos Políticos seja incorreta, o problema é a interpretação que se fez por parte dos tribunais. O exemplo concreto é a diferença de critério entra a Sala do 61 do Supremo e o Tribunal Constitucional [caso Bildu]. O problema é que se começou aplicando com standards de valoração muito pouco rigorosos, quero dizer, baseados na probabilidade. Mas não me vale com simples indícios ou presunções, senão que fazem falta provas fidedignas de que seja assim. O que demonstrou a sentença do Constitucional é que a Sala do 61 não valorizava corretamente a prova. Acho que isto pode antecipar que o critério do Constitucional seja favorável também à tese de Sortu.