O historiador israelita Ilan Pappe esteve em visita no Canada. Paul Weinberg aproveitou para questioná-lo sobre o seu trabalho contra a corrente do mito israelita, sobre a solução de um único estado e sobre a campanha de boicote.
Paul Weinberg : Os historiadores percebem toda a história prévia aos acontecimentos de 1948 implicando a expulsão dos habitantes palestinianos do que agora é Israel? Até que ponto os arquivos estão disponíveis em Israel ?
Ilan Pappe : Os historiadores percebem de forma diferente um tal episódio contestado da história. Depende muito das suas posições relativamente ao conflito actual, porque estes acontecimentos fazem parte da nossa realidade contemporânea em Israel e na Palestina. Há duas abordagens do conflito: uma sionista e outra palestiniana. O que aconteceu, durante os últimos 20 a 25 anos, é que a maior parte dos historiadores profissionais e com eles uma grande parte da população tiveram tendência a considerar a perspectiva sionista, como uma falsa tentativa para encobrir um crime cometido contra os Palestinianos em 1948 quando metade deles foram expulsos pela força da sua pátria.
O desenvolvimento mais interessante a este respeito é o facto que muitos historiadores sionistas, contrariamente aos seus predecessores no estabelecimento da historiografia sionista, aceitam que metade da população indígena da Palestina fora expulsa, mas consideram este facto como um acto legítimo de defesa justificado. Portanto, a última etapa na tentativa historiográfica de perceber, como diz, é um debate moral de saber se, em nome de uma suposta ameaça, uma limpeza étnica e os massacres podem ser justificados.
Os arquivos em Israel eram normalmente completamente acessíveis. Mas, agora, qualquer elemento que pode ser considerado como potencialmente prejudiciais à imagem do Estado é doravante de acesso muito mas difícil. Contudo, de momento, ainda há material suficiente para ajudar a uma melhor compreensão da situação de 1948 e até antes.
PW : Sobre que matéria são as suas investigações universitárias de momento ?
IP : Trabalho em vários projectos. Um deles intitula-se «A ideia de Israel». Trata-se de uma história de poder e de saber em Israel, outro projecto trata da história do início da ocupação de 1967.
PW : Porque é que vive no Reino unido em vez de em Israel ? Dadas as circunstância políticas actuais, é perigoso para si viver em Israel ?
IP : Tento viver nos dois sítios, mas tenho que trabalhar no Reino Unido porque fui afastado do meio universitário israelita. Para pessoas como eu, o perigo não depende do sítio onde se vive. Depende do grau de desespero dos Israelitas e dos seus apoiantes dentro e fora. Também depende do seu grau de renúncia à charada democrática.
PW : Como considera a solução de um único Estado ? é possível para duas nações hostis de viverem num único estado? Falo enquanto Canadiano vivendo num estado binacional.
IP : Já há uma solução de um único estado implantada – pois há apenas um único Estado e um regime de controlo das terras entre o Jordão e o Mediterrâneo. Portanto a questão não é obter que duas nações hostis vivam junta, mas convencer os opressores de acabarem com a opressão. Devemos procurar uma aliança entre uma pressão externa sobre o opressor e um esforço de educação no interior para mudar as relações de poder no Estado existente.
PW : Norman Finkelstein diz que uma solução de dois Estados ainda é possível em virtude do direito internacional, mesmo com o grande número de colonos judeus em terras palestinianas. Ele sugere igualmente que a campanha de boicote e de desinvestimento contra Israel não tem propriamente funcionado. Qual é a sua opinião ?
 IP : Penso que as soluções de dois estados estão ultrapassadas. Apenas uma pessoa que não esteve, há muito tempo, nos territórios ocupados, ainda pode pensar que uma solução de dois estados ainda seja viável, mesmo se houve uma vontade internacional de impor essa solução. Pelo contrário, não existe essa vontade internacional porque as elites políticas são reticentes. Portanto a realidade é de um único Estado como o salientei. As elites políticas no Ocidente também são reticentes em acabar com a opressão no terreno, como o estavam no apogeu do apartheid na África do Sul.
Portanto na altura havia necessidade, e precisa-se agora de uma forte pressão da sociedade civil sobre as elites políticas para uma mudança de rumo. Este é o papel essencial que desempenha o movimento BDS. A única preocupação real, e esta é o único trunfo dos Palestinianos diante dos Israelitas, é de conceder uma legitimidade moral e internacional aos judeus na Palestina. O movimento BDS evidencia que apesar de todo o seu poder Israel nunca terá essa legitimidade enquanto os Palestinianos não a concederão ( Netanyahu percebeu isto muito bem quando exigiu que, apesar da confusão no seio da direcção da AP, Israel fosse reconhecido enquanto Estado judeu). Tirando os novos esforços de unidade palestiniana e a reorganização da questão da representação (a ressurreição da OLP), o movimento BDS é o desenvolvimento mais importante da última década na Palestina.

 
Ilan Pappe é professor de história e director do Centro europeu para os estudos palestinianos na Universidade de Exeter. O seu último livro intitula-se: Out of the Frame : The Struggle for Academic Freedom in Israel (Pluto Press, 2010).

 

Fonte: Grupo de Acção Palestina