Coincidindo com a execução de Troy Davis, a editora espanhola Errata Naturae publicou a finais do passado ano Facing the chair. Story of the americanization of two foreingborn workmen, (Ante la Silla Eléctrica. La verdadera historia de Sacco y Vanzetti) de John Dois Passos. Apesar dos 84 anos que passaram entre a morte dos dois anarquistas italianos na cadeira elétrica de um cárcere de Massachusetts e a do afroamericano por injeção letal em Georgia, os dois casos puseram em causa o sistema judicial estadounidense, desvelaram profundos preconceitos sociais, e provocaram uma forte reação dentro e fora dos Estados Unidos.
Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti foram detidos num elétrico em 1920 em Brockton, Massachusetts por um roubo e duplo assassinato cometidos duas semanas antes numa localidade próxima. A polícia sabia que eles eram anarquistas e, por esses anos, atribuir um crime a um par de vermelhos não ia escandalizar muita gente. Depois da Revolução de Outubro, os anarquistas italianos puseram-se à cabeça na lista dos inimigos do Governo estadunidense e suspeitava-se que o movimento estava por atrás de vários atentados com bomba e tentativas de homicídio. O mais importante desses ataques foi a explosão de um dispositivo na casa do Promotor Geral A. Mitchell Palmer. Sacco e Vanzetti estavam vinculados ao grupo anarquista que supostamente teria inspirado a maioria dos atentados terroristas.
Dos Passos desentranha as relações entre o Departamento de Justiça, que tinha tentado todo para expulsar Vanzetti -grande orador e líder sindical- dos EUA, e a polícia e as autoridades judiciais de Massachusetts, que precisavam alguém a quem culpar pelo duplo assassinato. Recolhe, ademais, os depoimentos daqueles que, sob juramento, demonstraram que nem Sacco nem Vanzetti, trabalhador numa fábrica de calçado o primeiro e vendedor ambulante de peixe o segundo, estavam no local do crime quando este se produziu. O escritor conta a história de um jovem delinquente de origem português, cúmplice do crime de que se acusa aos italianos, que confessa para os salvar. Também dá conta de pesquisadores e infiltrados nos grupos anarquistas que reconhecem que nenhum dos arguidos era capaz de semelhante crime. Todo foi vão, nem os depoimentos exculpatorios, nem as contradições nos argumentos da promotoria, nem a campanha mundial contra a pena capital para ambos homens os salvou da cadeira elétrica.
Como no caso de Troy Davis, a campanha internacional para frear a execução de Sacco e Vanzetti foi muito intensa. A carta de Anatole France ao povo estadounidense, breve e soberba, está incluída nesta magnífica reportagem literária do autor de Manhattan Transfer e a trilogia USA.