Mohamedou Ould Slahi,, autor de Guantanamo Diary, um livro estarreceder que se publica depurado pelos censores estadunidenses é um dos 166 estrangeiros ainda detidos em “Gitmo”. O nanuscrito (em inglês no original) de 466 páginas é a narrativa do trituramento psicológico, emocional e físico que o levou da tortura à capitulação.

Nativo da Mauritânia, Mohamedou Ould Slahifoi o primeiro membro de sua família a cursar uma faculdade — na Alemanha, com bolsa de estudos. Na virada de 1990, aos 21 anos, viajou ao Afeganistão para apoiar o movimento islâmico de resistência ao regime pró-soviético. Participou de um curso de treinamento de combate e prestou juramento de lealdade à al-Qaeda. Naquele tempo , o governo americano dava apoio econômico e militar aos mujahedin afegãos, al-Qaeda inclusive.

Slahi retornou à Alemanha, casou com uma jovem de seu país e sustenta que cortou vínculos com a al-Qaeda em 1992. Entrou no radar dos serviços de Inteligência americanos , alemães e canadenses a partir de 1998, por várias atividades consideradas suspeitas. Em 2000 voltou à Mauritânia e passou a trabalhar numa empresa de internet, mantendo seus contatos muçulmanos da Alemanha. Assistiu ao ataque às Torres Gêmeas de casa, pela televisão.

Nove dias depois, foi procurado pela polícia local para prestar alguns esclarecimentos. Nunca mais foi um homem livre.

Em Guantánamo, Slahi passou por várias unidades de interrogatório, cada uma com suas regras e técnicas. Para a Força-Tarefa de Investigação Criminal do Pentágono, chefiada pelo comandante Britt Mallow, Slahi era um dos quatro casos mais importantes a ser apresentado em juízo. Quando soube que uma equipe do general Geoffrey Miller aplicaria “métodos especiais de interrogatório” no detento, Mallow alertou seus superiores. Sabia que informações extraídas sob tortura invalidariam as chances de condenar Slahi.

Segundo revelou o semanário alemão “Der Spiegel”, um conselheiro direto de Donald Rumsfeld, o secretário de Defesa americano da época, foi advertido dos riscos por e-mail. Em vão. No dia 13 de agosto de 2003, por ordem pessoal de Rumsfeld, o emprego de “métodos especiais de interrogatório” foi aprovado.

Dois meses depois desembarcava em Guantánamo e promotor designado para o caso, Stuart Couch. Surpreendeu-se ao ver um detento sentado no canto de uma cela, mãos atadas aos pés, balançando-se como drogado, ao som ensurdecedor da banda Metallica. Era Slahi. Couch fora piloto da Marinha, votara em Bush e era cristão devoto. Em pouco tempo, tomou a decisão mais difícil de sua carreira: comunicou ao escalão superior que se sentia obrigado a abandonar o caso. As evidências de tortura inviabilizavam o julgamento. Acrescentou que os EUA haviam violado preceitos de conduta legal, ética e moral.

Situação indefinida

Slahi teria fornecido a seus interrogadores farto e valioso material sobre a teia de terrorismo islâmico na Europa. Atribui-se a ele também a pista que levou a CIA ao pombo-correio de Bin Laden e ao esconderijo paquistanês do chefe da al-Qaeda.

Para sua proteção e recompensa, Slahi, hoje, está alojado numa ala “privilegiada” de Guantánamo. Mas continua preso. Há mais de dez anos. Sem condenação nem julgamento. Até hoje não há prova que o ligue diretamente a qualquer atentado terrorista. Os indícios apresentados pelo governo foram arrancados sob tortura.

Em abril de 2010, um juiz federal ordenou sua libertação. Cinco meses depois, a decisão foi suspensa em instância superior para nova análise. No fundo, ninguém sabe o que fazer com os mortos-vivos de Guantánamo.

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