Suas posições e seus textos sobre o conflito Israel-Palestina levaram-no a escrever verdades que incomodam os sionistas. Por que a ocupação dos Territórios Palestinos persiste há 50 anos e o que restou do sonho de um Estado Palestino ?

E.H. : Penso que é preciso parar de considerar que o Estado Palestino é um verdadeiro objetivo. Isso é um engodo. Pode-se fazer um falso Estado Palestino, isso não é complicado. Aliás, ele praticamente existe, um falso Estado que não é senhor de suas fronteiras, não controla sua economia, não tem acesso ao mar, não tem continuidade territorial, não tem meios de se defender. Um Estado assim pode-se dizer que já existe. A Palestina foi reconhecida na ONU como Estado convidado, mais ou menos nesses termos. E todos os que não conhecem a questão julgaram que era uma vitória. É uma piada. Enquanto disserem que existe uma Autoridade Palestina e que essa Autoridade trabalha pela criação de um Estado Palestino não se avançará nem um centímetro. Mas há muita gente que tem interesse em que isso não avance. Quase todo mundo tem interesse a manter o statu quo.

CC : Quem ? Os Estados Unidos, a Europa, o Oriente Médio, os países árabes ?

E.H. : Sim, todos eles. Os Estados árabes ditatoriais, corruptos, dizem a suas populações : “Nós lutamos por um Estado Palestino”. Mas todo mundo tem interesse em que as coisas não mudem, ou melhor, em que a judaização da Palestina histórica continue todos os dias. Todo mundo tem interesse.

CC : A Europa fecha os olhos…

E.H. : Claro. Eles dizem, “nós incentivamos a volta à mesa de negociações”. Mas nunca houve negociação, jamais, desde o início. Houve “diktats”. Para negociar, é preciso que haja qualquer coisa que se assemelhe vagamente a uma igualdade de forças. Se as forças são totalmente desiguais e que além disso a potência que serve de árbitro, os Estados Unidos, está abertamente do lado do mais forte, não há negociação. Há “diktats” que se aceita ou se recusa. Quando por acaso se recusa um “diktat” como fez Arafat em 2000, todo mundo diz, “Viram, ele recusou as ofertas generosas”. Essas “ofertas generosas” nunca existiram ! Nunca houve oferta generosa de Ehoud Barak. Mas eles disseram : “O que vocês querem, com os árabes não se pode fazer nada, fizemos as ofertas mais generosas e eles recusaram”.

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CC : Como sair dessa armadilha ?

E.H. : É preciso parar de apresentar o Estado Palestino como um objetivo ideal. Não é um objetivo.

CC : Por quê ?

E.H. : Será que ele foi algum dia um objetivo ? Talvez, durante um momento…

CC : No momento da partilha da Palestina sob mandato britânico, o Estado Palestino foi um objetivo, não ?

E.H. :  Era uma partilha na qual na Palestina supostamente judia havia metade de árabes e na Palestina supostamente árabe havia judeus. Mas aquilo é um só país. Basta pegar um carro e ir direto numa direção. Compreende-se que é um só país., geograficamente, historicamente, humanamente. Há uma unidade nesse país. Se se tenta fragmentá-lo, um pedaço para fazer um triângulo aqui, tira-se gente de lá para pôr acolá. Não, não, não. Não é possível. E tudo aquilo é minúsculo, do tamanho de uma pequena região francesa. É minúsculo. Querem dividir em dois esse território minúsculo onde as coisas são entrelaçadas há anos, séculos. É simplesmente impossível.

CC : Para onde vai Israel ? No livro “Como foi inventado o povo judeu”, o historiador Shlomo Sand desconstroi o mito que diz que a diáspora nasceu da expulsão dos hebreus da Palestina e não de conversões sucessivas na África do Norte, na Europa do Sul e no Oriente Próximo. Isso faz desmoronar os fundamentos do pensamento sionista que afirma que os judeus são descendentes do reino de Davi e não os herdeiros de guerreiros bérberes ou de cavaleiros kazares. Shlomo Sand diz que há pesquisadores em Israel que procuram o gene judeu. O que o senhor pensa disso ?

E.H. : Acho muito bom esse livro. Nunca acreditei que existisse um povo judeu. Mas no livro ele demonstra de uma forma muito interessante. A ideia de base é verdadeira. Não há povo judeu, há uma cultura, uma cozinha.

CC : E como base há uma religião revelada. Shlomo Sand diz isso no seu livro “Como deixei de ser judeu” (Comment j’ai cessé d’être juif), ele diz que um judeu laico não existe. Voltemos a Arafat. Por que o senhor concorda com Edward Saïd que disse que “Arafat era mais próximo de Petain que de Mandela” ?

E.H. : Logo antes dos acordos de Oslo (1993-1994), houve a Conferência de Madri (1991) para onde foram convocados muitos representantes da sociedade árabe israelense e palestina. Havia encontros informais com responsáveis israelenses. Arafat viu o perigo que isso representava para a autoridade que não se chamava ainda Autoridade Palestina. Mas ele viu ameaça a ele, à sua instituição. E foi por isso que aceitou assinar rapidamente os acordos de Oslo que são a origem do desastre atual. Mas muitas pessoas acreditaram nesses acordos. Edward Saïd não acreditou, pediu demissão do Conselho Nacional Palestino do qual fazia parte e que era uma espécie de instância semi-representativa. Depois da assinatura dos acordos de Oslo, Arafat colaborou com o Estado de Israel…

CC : Por isso ele foi mais um Pétain que um Mandela ?

E.H. : Sim, Mandela estava na prisão no mesmo estágio das coisas… Mas o fim de Arafat fez muito por sua imagem histórica. Ele também estava quase preso no seu refúgio em Ramallah. Era um fim triste e, finalmente, ele foi assassinado.

CC. O senhor acredita na tese do assassinato ?

E.H. : Sim. Como médico, tenho certeza. O diagnóstico dos médicos franceses que o trataram era “coagulação intravascular disseminada”. Ora, isso não é um diagnóstico.  Constata-se isso quando se morre de uma picada mortal de serpente. Fratura do antebraço é um diagnóstico. Câncer do pâncreas é um diagnóstico. “Coagulação intravascular disseminada” não é um diagnóstico, é uma perturbação e ela é consequência dos envenenamentos do tipo veneno de serpente. Penso que ele foi envenenado.

CC : Por quem ?

E.H. : Difícil saber mas provavelmente por uma pessoa próxima dele a soldo dos israelenses. A imagem do velho líder prisioneiro na sua “moukata” era muito incômodo aos olhos da opinião pública internacional.

CC : Yitzhak Rabin, que a posteridade descreve como um homem de esquerda, mandava quebrar as mãos dos palestinos que jogavam pedras para se defender. A esquerda israelense que defende a criação de um Estado Palestino é hoje inaudível. Como o senhor vê o futuro do Estado de Israel que marginaliza a população árabe israelense, que representa quase um quarto da população do país ? Pode-se falar de apartheid ? Para onde vai Israel ?

E.H. : Claro que se pode falar de apartheid, ele é flagrante, evidente. Quando alguns juristas sul-africanos visitaram Israel alguém perguntou se o que viram lhes lembrava o apartheid na África do Sul. Eles responderam : “Sim, mas o governo sul-africano de então nunca enviou aviões para bombardear sua população”. No ponto em que estamos, a saída só pode vir do exterior do país. Creio que mergulhados num processo fascizante eles não podem sair sozinhos. É preciso que num determinado momento os inconvenientes dessa política pesem dramaticamente mais que as vantagens. E para chegar a isso a melhor arma é o boicote. Mas não apenas o boicote de tangerinas e abacates.

CC : Que boicote pode ser eficaz ?

E.H. : O boicote intelectual, acadêmico, universitário. Para eles, esse boicote é extremamente grave. Israel pretende tirar toda sua legitimidade da inteligência, da criatividade. Se a gente diz, “sinto muito mas não quero”, as coisas mudam. Publicamos um livro sobre o boicote intelectual de Israel, escrito por Eyal Sivan e Armelle Laborie, “Un boycott légitime”. O livro mostra como eles têm medo desse boicote e os milhares de dólares que gastam para tentar barrar o boicote intelectual. O boicote das frutas vindas de Israel não tem peso econômico, o comércio externo deles é forte, exportam armas ao mundo inteiro.

CC : Até mesmo ao Brasil….

E.H. : O boicote intelectual e acadêmico pesa, eles o temem. Este boicote não diz respeito a pessoas. Não se boicota um cantor, um escritor. Boicota-se apenas se a atividade é sustentada, apoiada e apresentada oficialmente pelo Estado de Israel.

CC : Esse boicote é eficaz ?

E.H. : Sim, claro. No mundo inteiro, mesmo nos Estados Unidos ele é feito. Os sindicatos britânicos tomaram posição pelo boicote de Israel, muitas universidades americanas, muitos bancos americanos. A França é o pior país, provavelmente com a Alemanha. Aqui é muito difícil fazer o boicote avançar.

CC : Por quê ?

E.H. : Porque as forças que defendem cegamente o Estado de Israel são muito poderosas na França. Elas estão muito próximas do poder.

CC : Em que país da Europa o boicote é mais ativo ?

E.H. : Nos países escandinavos ele é extremamente importante. Devemos lembrar que a África do Sul capitulou por causa do boicote.

CC : No livro “Comprendre l’Islam politique”, François Burgat nos leva a um mergulho na história colonial do Ocidente que quis esmagar a cultura dos vencidos. Ele pensa que a radicalização sectária não é o fator que desencadeia a violência política. O Estado Islâmico é a consequência do colonialismo ?

E.H. : Se o cretino do George Bush não tivesse invadido o Iraque a situação do Oriente Médio e do Oriente Próximo não seria a mesma. Ele fez tudo mudar. Claro que Saddam Hussein não era um democrata, Kadafi também não. Mas eles eliminaram Saddam e veio o caos. Eliminaram Kadafi e veio o caos. Não se pode eliminar um líder, mesmo detestável, com tanques e bombardeiros e pensar que tudo está resolvido. Nesse “affaire” Iraque-Síria não se trata nem mais de colonialismo mas da profunda burrice de Bush.

Leneide Duarte-Plon

Original : “Carta Capital” em novembro de 2017.