Tiros, invasões de casas, portões quebrados fazem parte do dia a dia de quem vive na favela da zona norte do Rio de Janeiro.
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Operações tinham sido denunciadas dias antes do assassinato da vereador

“Só vamos embora quando tiver dois ou três corpos no chão!”. “Viemos tocar o terror”, gritavam os policiais do 41° Batalhão da Polícia Militar (BPM) na manhã do dia 10 em uma incursão à comunidade de Acari, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A favela foi cercada por três caveirões. Em meio tiros para o alto, na direção das pessoas, os policiais invadiram casas, quebraram portões e fotografaram a identidades de moradores apavorados.

“Foi desesperador e durou o dia inteiro. Ninguém conseguia sair de casa. Eram muitos homens, muita violência”, relata uma integrante do Coletivo Fala Akari, que conversou com a CartaCapital sob condição de anonimato. “Eles não queriam saber se a pessoa era bandido ou trabalhador, falavam que iam matar quem aparecesse. E também disseram que de noite não ia ter baile”.

Dias antes, na segunda-feira, 5, dois jovens foram assassinados, denunciam os moradores. Os corpos só foram retirados um dia depois, pelos próprios habitantes quando então puderam ser velados.

 

Carro de Marielle

As operações em Acari foram denunciadas em  pela vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada a tiros na quarta-feira (14), junto com seu motorista, Anderson Gomes, na região central do Rio de Janeiro. Ela escreveu em sua página do Facebook: “Precisamos gritar para que todos saibam o que está acontecendo em Acari neste momento.

O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores do Acari. Nessa semana, dois jovens foram mortos e colocados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou pior. Compartilhem essa imagem nas suas linhas do tempo e na capa do perfil”.

A integrante do Coletivo Fala Akari relatou que a operação do dia 10 foi uma das muitas incursões que o Batalhão vem fazendo na comunidade. “Elas acontecem a qualquer hora”. Nas madrugadas, acorda-se ao som de tiros, e às vezes nem há tempo de moradores soltarem fogos, forma de comunicação utilizada para informar que a PM está na comunidade.

As invasões de domicílio também ocorrem com frequência, feitas por meio de mandados de apreensão e busca coletivos. A integrante do coletivo é uma das pessoas que teve sua casa invadida. Certo dia, uma vizinha lhe telefonou contando que havia policiais em sua casa. Quando retornou, os policiais não estavam mais lá, mas suas coisas estavam reviradas e quebradas. “Eles queriam um documento do coletivo”, conta a militante.

 

Marielle

 

Ela revela que os integrantes do grupo, que denuncia violações de direitos humanos na comunidade, já sofreram ameaças via mensagens em redes sociais e até sequestros relâmpagos. “Querem nos calar, querem fechar nossa página”.

A jovem afirma que o Batalhão tem “histórico de violência”, mas que após a intervenção militar, as violações se tornaram mais intensas. “Sabemos que não vamos conseguir tirar o batalhão daqui, mas queremos ao menos uma ‘redução de danos’, que as incursões não sejam feitas nos horários que crianças estão saindo de casa, que não cheguem atirando, nem nas madrugadas”, afirma. Segundo ela, os coletivos do Acari vão dar continuidade ao trabalho de defesa dos direitos humanos de Marielle Franco.

De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), nos últimos cinco anos, 430 pessoas foram mortas em ações desse batalhão, o maior número de mortes por intervenção policial no Rio de Janeiro.

A munição utilizada pelos responsáveis pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Pedro Gomes na noite da última quarta-feira 14 pertenciam a lotes vendidos para a Polícia Federal de Brasília em 2006. A pistola de calibre 9mm é um dos armamentos utilizados pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, mas ainda não há indícios da participação de PMs no crime.

A confirmação foi feita pela perícia da Divisão de Homicídios e indica que o lote da munição UZZ-18 é original, ou seja, ela não foi recarregada. A informação foi confirmada pela Polícia Civil, que em parceria com a Polícia Federal vai realizar uma ação de rastreamento. O que se sabe até agora é que os lotes de munições foram vendidos pela empresa CBC no dia 29 de dezembro de 2006 com as notas fiscais número 220-821 e 220-822.

Balas do mesmo lote foram usadas em uma chacina registrada na grande São Paulo em 2015, quando 23 pessoas foram mortas por um grupo de extermínio entre as cidades de Osasco e Barueri. O grupo tinha policiais militares paulistas entre seus integrantes.

 

A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro disse, em nota: 

“Na segunda-feira (05/03), o 41º BPM (Irajá) realizou operação em Acari, quando foram recebidos a tiros, na localidade conhecida como “Fim do Mundo”. Na ação houve apreensão de um rádio transmissor, sete carregadores de pistola, 280 pinos de drogas e munições. Não houve registros de mortos e/ou feridos. A ocorrência foi encaminhada à 39ª DP. Na mesma data, o batalhão foi acionado pelo Hospital de Acari, dando conta que uma pessoa ferida deu entrada na unidade hospitalar, mas não resistiu aos ferimentos. Também na segunda-feira (05/03), o 41° BPM foi chamado para uma ocorrência de encontro de cadáver, na rua Padre Lima, onde o fato foi constatado e a perícia da Delegacia de Homicídios da Capital foi acionada.

Vale ressaltar que o comando do batalhão abriu um Inquérito Policial Militar para apurar as circunstâncias dos fatos. Com relação às denuncias, o comando do batalhão informa que todas que chegam àquela unidade são investigadas e informa ainda que as mesmas poderão ainda ser enviadas ou comunicadas à Corregedoria Interna da Corporação pelos canais: WhatsApp através do número (21) 97598-4593, por telefone pelo número (21) 2725-9098 ou ainda pelo e-mail denuncia@cintpm.rj.gov.br

Fonte: Carta Capital