Jovem, negra, mãe solteira, de baixa renda, presa provisoriamente suspeita de crimes relacionado ao tráfico de drogas e contra o patrimônio: esse é o perfil da maioria das mulheres encarceradas no Brasil de acordo com o estudo Dar à luz na sombra, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015.

 

Centro de Referência a Gestantes Privadas de Liberdade, em Vespasiano

 

Entre elas, que compõem a quarta maior população prisional feminina do mundo, há grávidas e mães de recém-nascidos e de crianças pequenas, em geral abarrotadas em unidades prisionais femininas em péssimas condições, situação que deixa pouca margem para a dignidade e o exercício da maternidade.

O drama da maternidade no cárcere foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira 20. Por quatro votos a um, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que mulheres grávidas, amamentando, mães de crianças pequenas ou cujo filho tenha deficiência que estejam em prisão provisória, isto é, que ainda não foram condenadas pela Justiça, possam aguardar a decisão em prisão domiciliar. Apenas Edson Fachin votou contra, alegando que é preciso analisar “caso a caso” para chegar à melhor decisão para a criança.

 

O Artigo 318 do CPP nos seus incisos III, IV e V estabelece hipóteses em que o juiz pode substituir a prisão preventiva de mulheres em prisão domiciliar, essas hipóteses visam proteger a criança ou pessoa com deficiência. Vejamos:

Artigo. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:  (…)

III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV – gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

 

A decisão deve ser implementada em todo o País em até 60 dias. 

Os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello julgaram o habeas corpus coletivo 143.641-SP, em favor da libertação de todas presas provisórias que são gestantes, puérperas ou mães de crianças de até 12 anos, bem como em favor das próprias crianças.

No início de sua fala, o relator do habeas corpus, o ministro Ricardo Lewandowski pediu “coragem” para os colegas da Segunda Turma para tratar do tema.

“Dois mil pequenos brasileirinhos estão atrás das grades com suas mães sofrendo indevidamente contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere”, afirmou ele, explicando que optou pela admissibilidade processual do habeas corpus coletivo nesse caso. Em seu voto, com mais de 60 páginas, o relator aceitou o pedido coletivo, excetuando as mulheres que praticaram crimes com violência ou grave ameaça e contra seus descendentes.

 

Segunda Turma do STF‘Dois mil brasileirinhos estão atrás das grades com suas mães sofrendo as agruras do cárcere’, argumentou Lewandowski

 

O pedido foi impetrado pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) em maio de 2017, após a decisão do ministro Gilmar Mendes que colocou em prisão domiciliar Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

“O caso dela é um exemplo de aplicação correta da lei, de se permitir a convivência da mãe com seus filhos, ainda mais quando falamos de prisões provisórias. Mas ele expôs a ferida da seletividade, em que pouquíssimas mulheres, e certamente não as mulheres que são comumente presas, tiveram acesso a esse benefício”, explica Eloísa Machado de Almeida, uma das três advogadas do coletivo responsáveis por defender o pedido perante à Segunda Turma.

“Este é o caso mais emblemático relativo ao uso excessivo da prisão provisória. Em alguns estados chega a mais de 90%, o que significa que gestantes e mães enfrentam esse inferno, sendo, em tese, inocentes. Esse caso traz a face mais injusta do sistema prisional”, afirmou a advogada ao defender a concessão do habeas corpus no STF.

Nascer na prisão 

Às vésperas da decisão, o caso de Jessica Monteiro – que foi presa em flagrante em estado avançado de gravidez e acusada de portar uma pequena quantidade de maconha – chocou ao exibir imagens da jovem dividindo uma cela apertada com o filho recém-nascido.

Jessica entrou em trabalho de parto no dia seguinte à prisão, na cela do 8º Distrito Policial do Brás, na capital paulistana. “Estava tão estressada que entrei em trabalho de parto. Estava em uma cela suja, cheia de barata. Comecei a perder líquido. Meu psicológico ficou muito abalado”, relatou ela ao jornal O Globo.

Dois dias após o parto, Jessica e Enrico voltaram para a cela, onde passaram o dia em um colchão de espuma e com um cobertor. “O Enrico não tinha que ter passado por isso”, desabafou.

Após a repercussão do caso, sua prisão preventiva foi convertida para recolhimento domiciliar, onde aguardará o julgamento.

 

Unidade prisional feminina
                                                     Na hora do parto: 8% das detentas afirmaram que deram à luz algemadas

 

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 622 mulheres presas em todo o país estão grávidas ou amamentando. Em 16 anos, entre 2000 e 2016, a população carcerária feminina passou de pouco mais de 5 mil mulheres para as atuais 44,7 mil, segundo dados do Ministério da Justiça.

Embora não existam dados oficiais gerais sistematizados, o estudo Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil, realizado pela Fiocruz, revela parte do drama vivido por essas mulheres.

Sobre as condições na hora do parto, 36% das entrevistadas responderam que foram levadas ao hospital em viaturas policiais e quase 40% não receberam visitas de familiares ou amigos durante o trabalho de parto. Para 73% das delas, o motivo para a ausência dessas pessoas foi a proibição do sistema prisional.

Além disso, 16% relataram ter sofrido maus tratos ou violência verbal/psicológica durante a estadia nas maternidades por parte dos profissionais de saúde e 14%, de guardas ou agentes penitenciários. O uso  de algemas em algum momento da internação por conta do parto foi relatado por 36% das gestantes, sendo que 8% delas disseram que permaneceram algemadas mesmo enquanto davam à luz.

“A cadeia é um local de doenças como a sífilis e a tuberculose, não há atendimento pré-natal adequado, faltam quadros médicos. Isso sem se falar do grau de violação a uma mulher que sequer foi condenada parir algemada em uma cama de hospital e voltar com o recém-nascido para uma sala fétida, suja, muitas vezes superlotada”, aponta Eloísa Machado de Almeida.

Segundo dados revelados por Lewandowski durante seu voto, 34% das unidades prisionais femininas dispõem de cela adequada para gestante; 32%, de berçários e 5%, de creches.

“A Constituição Federal prevê a proteção integral das crianças. Nenhuma criança deveria viver em presídio ou cadeia. É prejudicial à formação e ao desenvolvimento delas”, afirmou, em nota, o  coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe, Ariel de Castro Alves.

O advogado ressalta, porém, que é importante que essas mães em em prisão domiciliar sejam atendidas e visitadas por agentes de saúde, profissionais da assistência social e, se necessário, acompanhadas pelos Conselhos Tutelares. “Exatamente para que a proteção das crianças seja garantida. A previsão de prisão domiciliar visa sobretudo a efetividade dos direitos das crianças e não apenas das mães ou pais. No entanto, devem existir cautelas visando evitar prisões domiciliares para mães ou pais que geram riscos aos seus filhos, como os acusados ou condenados por violências sexuais e físicas”.

Fonte: Carta Capital