Mais de 100 personalidades da cultura, da academia, dos movimentos sociais e da política denunciam a repressão das autoridades espanholas na Catalunha, apelam a uma solução política negociada e alertam: “o que está hoje em causa na Catalunha é a democracia e a liberdade”. Segundo o “Expresso”, o manifesto, que publicamos na íntegra abaixo, é uma iniciativa dos historiadores Manuel Loff e Fernando Rosas, que recolheu mais de 100 assinaturas de personalidades independentes e de diversos partidos: PS, Bloco de Esquerda, PCP e PSD.
Manifestação contra a repressão e em defesa das liberdades em Lérida, Catalunha, 3 de outubro de 2017 – Foto de Mario Gascon/Epa/Lusa                                                                                   Manifestação contra a repressão e em defesa das liberdades em Lérida,
Catalunha, 3 de outubro de 2017 – Foto de Mario Gascon/Epa/Lusa

 

No documento, os subscritores e subscritoras afirmam não poder ficar indiferentes “perante a forma tão evidente pela qual as autoridades espanholas (sejam elas o Governo, a polícia ou os tribunais) desrespeitam de o direito de o povo catalão a ‘dispor de si próprio’ e, ‘em virtude deste direito, determinar livremente o seu estatuto político e assegurar livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural’”.

No texto denuncia-se “a multiplicidade de atropelos aos direitos cívicos, políticos e humanos” que o Governo espanhol está a cometer na Catalunha, sublinhando que “o Governo espanhol enviou dez mil polícias para a Catalunha, num ato deliberado de intimidação que não tem precedentes em 40 anos de democracia”.

“Optando pela via da repressão e da intimidação, suspendendo de facto a autonomia da Catalunha que custou séculos a conquistar, o Governo espanhol assume a atitude que, no passado, abriu caminho para o pior da história de Espanha”, destaca o manifesto, salientando que “ofendendo um sem número de direitos prescritos na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, o Governo espanhol coloca-se fora do campo democrático”.

Entre os subscritores do manifesto incluem-se deputados como Isabel Moreira, Pedro Bacelar de Vasconcelos, José Soeiro ou José Manuel Pureza; personalidades como Manuel Alegre, Francisco Louçã, Pacheco Pereira ou Alfredo Barroso; professores universitários como Boaventura Sousa Santos, Isabel Allegro de Magalhães e André Freire; investigadores como Irene Pimentel ou Miguel Cardina e jornalistas como Diana Andringa ou António Loja Neves.

Segue-se o texto do manifesto na íntegra e a lista de pessoas que o subscrevem:

Catalunha: pela democracia, contra a repressão

O Parlamento da Catalunha, democraticamente eleito há dois anos, convocou para o dia 1 de outubro um referendo de autodeterminação através do qual se pretendia decidir do futuro da Catalunha, uma “nacionalidade” no seio do Estado espanhol segundo os termos fixados pela Constituição de 1978. Para nós, a independência da Catalunha, a manutenção do atual estado de coisas ou qualquer outra solução política é uma questão que deve ser decidida pelos catalães, sobre a qual não nos pronunciamos. Mas, cidadãos de uma República cuja Constituição estabelece que “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão” (art. 7º), não podemos ficar indiferentes perante a forma tão evidente pela qual as autoridades espanholas (sejam elas o Governo, a polícia ou os tribunais) desrespeitam de o direito de o povo catalão a “dispor de si próprio” e, “em virtude deste direito, determinar livremente o seu estatuto político e assegurar livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural”, como estabelecem tratados internacionais assinados pelo próprio Estado espanhol (e todos os Estados europeus) como o Pacto Internacional dos Direitos Cívicos e Políticos (1966). E não calamos a nossa indignação perante a multiplicidade de atropelos aos direitos cívicos, políticos e humanos que, sobre a questão catalã e por intermédio da polícia, do Ministério Público e dos tribunais, o Governo espanhol cometeu e continua a cometer na Catalunha.

Contra a liberdade de associação, e ainda antes do referendo de domingo passado, a polícia espanhola cercou a sede de um partido político e fez buscas em tipografias e meios de comunicação para apreender propaganda eleitoral, encerrou centenas de páginas web, designadamente de associações cívicas, como a Assemblea Nacional de Catalunya ou a Ómnium Cultural, acusou dirigentes e ativistas políticos de crimes de desobediência e de “sedição”, cuja pena pode ascender até 15 anos de prisão. Face a um movimento cívico perfeitamente pacífico, e por não confiar na polícia catalã (denunciada por “desobediência” no dia próprio dia do referendo), o Governo espanhol enviou dez mil polícias para a Catalunha, num ato deliberado de intimidação que não tem precedentes em 40 anos de democracia.

Contra a liberdade de expressão, a polícia espanhola apreendeu material político relativo ao referendo, impediu a realização de debates sobre o referendo dentro de qualquer instituição pública, seja ela de âmbito central, regional ou municipal, e mandou encerrar contas nas redes sociais de membros do Governo catalão ou de qualquer cidadão que se atreva a divulgar a localização de assembleias de voto!

Contra os direitos cívicos e políticos, a polícia espanhola prendeu antes do referendo altos funcionários do Governo catalão (e ameaçara antes ainda do referendo prender o seu próprio presidente), ameaça com multas exorbitantes milhares de diretores de escolas e funcionários públicos e três quartos dos autarcas democraticamente eleitos da Catalunha, por sua vez ameaçados de prisão e de perda de mandato, numa atitude de intimidação que não tem paralelo nos últimos 40 anos. A situação antes do dia 1 de outubro era já tão grave que, no dia 28 de setembro, em Genebra, o próprio Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas se mostrou “preocupado com as medidas a que estamos a assistir porque violam direitos individuais fundamentais, censurando informação pública e impedindo o debate num momento crítico para a democracia em Espanha”. Como este organismo da ONU, entendemos que “as autoridades espanholas têm a responsabilidade de respeitar os direitos cívicos e políticos que são essenciais nas sociedades democráticas”.

Os piores receios confirmaram-se quando, ao longo do dia 1, assistimos a uma intervenção deliberadamente violenta da polícia espanhola nas assembleias de voto de toda a Catalunha, carregando sobre milhares de pessoas que pretendiam votar ou que exerciam as suas funções de escrutinadores, provocando centenas de feridos, destruindo equipamentos públicos para apreender a urnas e boletins de voto, detendo cidadãos. Ao contrário do que diz o Governo espanhol, nenhuma “democracia consolidada” se comporta desta forma perante, não dezenas ou centenas, mas milhões de cidadãos catalães que não usaram da violência.

Optando pela via da repressão e da intimidação, suspendendo de facto a autonomia da Catalunha que custou séculos a conquistar, o Governo espanhol assume a atitude que, no passado, abriu caminho para o pior da história de Espanha. Ignorando o seu “dever de promover a realização do direito dos povos a disporem deles mesmos e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas”, e ofendendo um sem número de direitos prescritos na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, o Governo espanhol coloca-se fora do campo democrático e perde qualquer legitimidade em solicitar a solidariedade dos países e dos povos democráticos. A História demonstra amplamente que, para negar o direito dos povos e direitos cívicos tão básicos, é inútil esgrimir a legalidade, porque são ilegítimas as formas de legalidade que ofendam direitos universais.

Associamo-nos, assim, aos apelos internacionais para que se consiga uma solução política negociada entre as autoridades que representam o Estado espanhol e a Comunidade Autónoma da Catalunha. Mais até do que o legítimo direito à autodeterminação dos catalães, o que está hoje em causa na Catalunha é a democracia e a liberdade. Dos catalães e dos espanhóis, e de todos nós.

1 de outubro de 2017

Subscritores:

  • Alain Pereira, Engenheiro, Câmara Municipal de Almada
  • Alda Sousa, professora ICBAS/UP
  • Alfredo Barroso, cronista e ensaísta
  • Alice Samara, professora, investigadora Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • Álvaro Garrido, professor, Faculdade de Letras da UC
  • Ana Bela Ribeiro, investigadora
  • Ana Luísa Correia da Costa, psicóloga
  • Ana Maria Pereirinha Pires, editora
  • Ana Paula Silvestre, terapeuta e sonoplasta
  • Ana Sofia Ferreira, investigadora, Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • Anabela Dinis Branco de Oliveira, professora, Univesidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
  • André Freire, politólogo, professor, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
  • Antónia Pedroso de Lima, professora, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
  • António Alberto Alves, livreiro e sociólogo
  • Antonio Chora, sindicalista
  • António Loja Neves, jornalista
  • António Pedro Braga, técnico de informática, aposentado
  • Boaventura de Sousa Santos, Investigador, Centro de Estudos Sociais da UC
  • Bruno Loff, investigador pós-doutoral, UP
  • Bruno Sena Martins, investigador, Vice-Presidente do Conselho Científico do Centro de Estudos Sociais da UC
  • Carla Malafaia, Investigadora, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação UP
  • Carlos Carujo, professor
  • Cipriano Justo, médico
  • Cristina Nogueira, educadora de infância, investigadora no Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • Diana Andringa, jornalista
  • Diana Dionísio, arquivista
  • Dulce Simões, antropóloga
  • Eduarda Dionísio, escritora
  • Eduarda Rovisco, antropóloga
  • Elísio Estanque, Investigador, Centro de Estudos Sociais da UC
  • Fernando Cordeiro Cruz, técnico especialista
  • Fernando Rosas, historiador, Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • Filipe M. Rosas, Geólogo, professor universitário
  • Filipe Piedade, investigador, Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • Filipe Rosas, médico
  • Francisco Louçã, professor, ISEG/UL
  • Francisco Xavier de Oliveira Martins Coelho, professor
  • Hélder Ferraz, investigador em Ciências da Educação
  • Heloísa Paulo, Investigadora do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da UC
  • Henrique Rodrigues, professor, Instituto Politécnico Viana do Castelo
  • Inês Godinho, desempregada
  • Irene Pimentel, investigadora, Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • Isabel Allegro de Magalhães, professora catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/NOVA (aposentada)
  • Isabel Menezes, professora, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação UP
  • Isabel Moreira, deputada do PS à Assembleia da República
  • Isabel Serra, professora Faculdade de Ciências da UL, aposentada
  • J-M. Nobre-Correia, professor emérito, Université Libre de Bruxelles
  • Joana Craveiro, encenadora teatral
  • João Arsénio Nunes, investigador de História Contemporânea (CEI-Instituto Universitário de Lisboa).
  • João Bau, Investigador Coordenador
  • João Madeira, investigador, Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • João Loff Barreto, advogado
  • João Miguel Almeida, Historiador
  • João Queirós, investigador e docente do ensino superior
  • João Semedo, médico
  • João Teixeira Lopes, professor Faculdade de Letras da UP
  • João Veloso, linguista, professor Faculdade de Letras UP
  • José Alves Pereira, professor do Ensino Politécnico, aposentado
  • José Castro Caldas, investigador, Centro de Estudos Sociais da UC
  • José Eduardo Silva, actor, encenador e investigador CIIE/Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação UP/CEHUniversidade do Minho
  • José Manuel Pureza, deputado do BE à Assembleia da República
  • José Miguel Leal da Silva, investigador, Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • José Pacheco Pereira, historiador
  • José Pedro Amorim, investigador, CIIE/Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação UP
  • José Soeiro, deputado do BE à Assembleia da República
  • José Viale Moutinho, escritor
  • Levi Leonido Fernandes da Silva, professor, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
  • Luciana Soutelo, investigadora Instituto de História Contemporânea/NOVA
  • Luís Moita, professor universitário
  • Luís Monteiro, deputado do BE à Assembleia da República
  • Manuel Alegre, poeta, ex-deputado do PS à Assembleia da República
  • Manuel Loff, historiador, professor, Faculdade de Letras da UP
  • Marcos Farias Ferreira, professor no ISCSP-UL
  • Margarida Neves Pereira, jornalista
  • Maria de Jesus Lima, docente do Ensino Politécnico, aposentada
  • Maria Luísa Cabral, investigadora CHAM/NOVA
  • Maria Olinda Rodrigues Santana, professora, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
  • Mariana Oliveira, psicóloga
  • Miguel Cardina, Investigador, Centro de Estudos Sociais da UC
  • Miguel Januário, designer e artista plástico
  • Miguel Vale de Almeida, antropólogo, professor ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, investigador no CRIA
  • Nair Alexandra, investigadora
  • Nelma Moreira, Professora, Faculdade de Ciências da UP
  • Norberto de Sousa Ribeiro, investigador Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação UP
  • Nuno Milagre, técnico de cinema
  • Nuno Teles, economista, investigador do Centro de Estudos Sociais da UC
  • Paula Godinho, antropóloga, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/NOVA
  • Paula Soares, professora, Faculdade de Medicina da UP
  • Pedro Bacelar de Vasconcelos, deputado do PS à Assembleia da República
  • Raquel Bagullho, engenheira agrónoma
  • Rita Tavares de Sousa, investigadora em Ciências da Educação
  • Rogério Reis, professor, Faculdade de Ciências da UP
  • Rui Bebiano, Investigador, Centro de Estudos Sociais da UC
  • Rui Pereira, professor
  • Rui Sá, engenheiro e deputado da CDU na Assembleia Municipal do Porto
  • Sofia Castanheira Pais, investigadora, Centro de Estudos Sociais da UC, e CIIE da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UP
  • Sónia Ferreira, investigadora universitária
  • Teresa de Almeida Cravo, professora Faculdade de Economia da UC
  • Teresa Loff Barreto, professora aposentada
  • Tiago Neves, professor, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação UP
  • Vanessa de Almeida, investigadora do IHC/NOVA
  • Vera Marques Alves, antropóloga
  • Vítor Neto, professor, Faculdade de Letras da UC
  • Wladimir Brito, professor, Escola de Direito, Universidade do Minho
  • Youri Paiva, estudante, Técnico de Comunicação
  • Xerardo Pereiro, antropólogo sociocultural, professor, Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro