Estou na Rússia, mas não causa do futebol. A FIFA permitiu que o desporto legitimasse o regime de Putin – e eu estou aqui para protestar.
Febre do mundial, abusos de direitos LGBT e crimes de guerra – uma mistura feia
                              Vladimir Putin no 68º Congresso da FIFA. Foto de KremlinRussia_E/Twitter.

 

Estou em Moscovo a tentar não atrair atenções e evitar os serviços de segurança russos, o FSB. O stresse deixa-me exausto. É a sexta vez que estou no país e todas as minhas visitas têm sido para apoiar ativistas LGBT+ que tentavam organizar uma marcha do orgulho e um festival. Em cada ocasião, as autoridades reprimiram essas atividades, às vezes de forma violenta. Prenderam-me duas vezes e espancaram-me noutra, deixando-me quase inconsciente.

Agora estou aqui para o Mundial de Futebol, mas ao contrário dos milhares de fãs, não vou torcer por esta festa. Não podem existir relações desportivas normais com um regime que não é normal, como o de Vladimir Putin. A comunidade LGBT+ e muitos outros russos sofrem com a perseguição promovida pelo Estado e com a violência da extrema direita. Estes abusos têm de ser enfrentados. É por isso que estou em Moscovo. A lei antigay russa de 2013 contra a chamada “propaganda homossexual” tem sido usada para silenciar protestos LGBT+ pacíficos, despedir professores LGBT+ e reprimir organizações que apoiam adolescentes LGBT+

Na véspera do Mundial de Futebol, grupos de extrema-direita e de ultranacionalistas ameaçaram espancar e esfaquear os adepts LGBT+. As autoridades não tomaram nenhuma ação perceptível contra os autores destas ameaças criminosas.

Conheço, por experiência pessoal, a atitude não intervencionista adotada pelo Kremlin. Em 2007, apanhei uma forte tareia às mãos de neonazis perto da Câmara de Moscovo, enquanto a polícia não fazia nada. Quando estava prestes a ficar inconsciente, fui detido e meu agressor foi autorizado a sair livremente.

O Estado russo não é o único culpado. Também devemos questionar a FIFA pela sua decisão de atribuir a organização do Mundial de Futebol de 2018 a um país que viola direitos humanos, como é o caso da Rússia. O campeonato é organizado por um país onde os adeptos de futebol LGBT+ são ameaçados em público por pessoas da extrema direita e por fanáticos religiosos que alertaram que vão perseguir, espancar e esfaquear homossexuais. E a FIFA escolheu continuar com esta farsa com o Mundial de Futebol de 2022 no Qatar, onde as violações dos direitos humanos são ainda piores do que na Rússia, também contra dissidentes e trabalhadores imigrantes. A FIFA defende a diversidade e a igualdade, enquanto premeia os regimes tirânicos com o prestígio de sediar um dos eventos desportivos mais celebrados do mundo.

Eu vim para a Rússia esta semana porque Putin não deveria poder limpar a sua imagem graças ao Mundial de Futebol. A maioria das pessoas LGBT na Rússia tem muito medo de protestar abertamente contra a perseguição, e isso é compreensível. Temem ser presos e espancados por extremistas. Eu também tenho medo, mas para ganhar a liberdade às vezes temos de estar preparados para assumir riscos.

Estou a apoiar os ativistas LGBT+ e outros defensores dos direitos humanos na Rússia Eles querem que o presidente Putin cumpra a constituição da Rússia e os acordos de direitos humanos internacionais, como a convenção europeia sobre direitos humanos, que a Rússia assinou e prometeu defender. Estou com medo de prisão e de um ataque violento, mas não desanimado. Inspirado pela campanha e heroísmo dos ativistas LGBT+ da Rússia, estou a agir em solidariedade com sua luta pela igualdade de direitos humanos.

Peter Tatchell é um ativista pelos direitos humanos.


Peter Tatchell

Pouco tempo após a publicação deste artigo, Peter Tatchell foi detido em Moscovo por organizar uma manifestação contra a perseguição e tortura de pessoas LGBT na Chechénia.

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