Os seres humanos retornados da Líbia voltarão de certeza à Líbia para serem novamente comercializados e tentarem chegar à Europa através do Mediterrâneo ou por outras fronteiras.

Segundo ele, a União Europeia em cooperação com a União Africana iria assegurar o repatriamento desses homens (na sua maioria jovens, saudáveis, escolhidos a dedo pelos traficantes, como se fazia noutros séculos, no mercado negreiro lucrativo de portugueses e espanhóis…), para países de origem, como Mali, Nigéria, Chade e outros Estados da Africa Central e Ocidental. Uma operação monitorizada pela OIM-Organização Internacional das Migrações, segundo conta a BBC World Service. O “Governo” reconhecido(!) pela ONU em Trípoli deu aval a esta “solução”.

A medida não passa de um comprimido de paracetamol, porque este tráfico de seres humanos é um cancro à escala global e regional e sabe-se que nenhum dos Estados da Africa setentrional dispõe de instrumentos políticos e administrativos, nem força militar para combater as redes do crime organizado. Os seres humanos retornados da Líbia voltarão de certeza à Líbia para serem novamente comercializados e tentarem chegar à Europa através do Mediterrâneo ou por outras fronteiras.

Macron e outros dirigentes, como o “horrorizado” Secretário-Geral da ONU António Guterres juntaram-se ao clamor de denúncia perante as imagens da CNN. Os “horrores” de Guterres são um grito de alerta e um imperativo moral de que o mundo tem que agir. Agir como? Ficamo-nos pelas denúncias? Pelo repatriamento dos jovens africanos? Quem é que vai ajudar a OIM a levar a cabo a missão em segurança perante bandidos armados até aos dentes, gente assassina da pior espécie?

As Nações Unidas e União Europeia e alguns lideres vêm mesmo afirmar que estamos perante crimes contra a Humanidade, mas não foi a ONU que respaldou o ataque da NATO contra a Líbia, para o derrube do regime de Kadhafi, numa folclórica “Primavera Árabe” que nunca existiu naquele País? Uma guerra movida por uma miríade muito confusa de grupos étnicos, fundamentalistas islâmicos anti Estado laico, que só conseguiram a vitória (qual “Blitzkrieg) graças aos bombardeamentos aéreos maciços e devastadores sobretudo britânicos e franceses. Os mesmos que meses antes tinham estendido a passadeira vermelha ao Kadhafi em Londres para lhe comprar petróleo e gás e vender modernos jatos de combate, em Londres e Paris). Não estou a legitimar o regime despótico do coronel. A história está por contar quanto à Líbia de Kadhafi, sobre o que era no tempo do Rei Idris e durante as quatro décadas de “socialismo àrabe” nos planos económico, social…

O que temos na Líbia? Dois governos, três parlamentos, sem qualquer legitimidade, sem mandato popular legitimo, sem qualquer autoridade territorial, completamente nas mãos do “quero posso e mando” dos grupos de crime organizado, tráfico de armas, droga, contrabando de hidrocarbonetos, Estado Islâmico. Desbarataram o Tesouro do Estado, todos os indicadores revelam um acentuado empobrecimento da população, uma crescente emigração dos líbios, perante o caos, os conflitos armados, as matanças, o ódio.

Não foi por falta de avisos. Até porque já se sabia o que que tinha acontecido na Síria e no Afeganistão e há semelhanças. A tese do “Estado falhado” na Líbia é antiga, vem do tempo que antecedeu os ataques da NATO em 2011 e confirma-se todos os dias.

E não vale a pena teorizar sobre a “anarquia” no sistema internacional, porque encaixa-se perfeitamente quando falamos destes e de outros países.

Salvar os escravos da Líbia é urgente. O intervencionismo humanitário é legal e está previsto na Carta das Nações Unidas. Não é preciso fazer a guerra. Há outros caminhos. É preciso pressionar as autoridades líbias a cumprirem com as suas obrigações. Policiarem os campos, combaterem os bandidos, se preciso for com ajuda de uma força da CIVPOL. Ou que a EU ensine novos recrutas policiais libios a fazerem isso e a União Europeia tem provas dadas nesse domínio da formação.

Para uma acção firme que salve vidas, teremos que votar uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU.

Deixo esta pergunta no ar: se há sanções contra a Coreia do Norte, contra os dirigentes sírios, porque não haverá contra os Líbios? É o banditismo consentido pela “Europa” às suas portas, trancadas a seres humanos oprimidos em campos de concentração, torturados, humilhados e vendidos como gado!

Sobre o/a autor(a)

Jornalista, Ex-Editor Assuntos Internacionais da RTP Antena 1