A frase “a morte é o último momento da vida” pode parecer um sofisma vazio. Mas não é. A morte é realmente um momento da vida. O último. E aqueles que escolhem antecipar a sua morte através de eutanásia não estão a optar de forma niilista pela morte, estão sim a escolher a vida cheia de sentido e de afeto que querem ter no processo de morrer. Estão a recusar que o seu fim de vida seja trucidado por um sofrimento atroz que os desfigura aos seus próprios olhos e dos seus mais próximos e a recusar também o adormecimento físico e relacional que, em geral, vem associado às abordagens paliativas mais duras.

Por tudo isto, caro Ernâni, são mesmo os direitos humanos que se discutem por estes dias em Lisboa. Claro que você ouvirá, nas esplanadas primaveris de Lisboa, algumas vozes dizer que haveria assuntos mais importantes para discutir. E ouvirá dizer também que se abre agora esta porta e que ela dará abertura a um plano inclinado descendente para os horrores mais indizíveis. Nisso, as esplanadas de Lisboa não são diferentes das do Rio ou de São Paulo. E, aí como aqui, é-nos exigido que mostremos que, quando se trata da conquista de direitos, o alibi de que há outros mais importantes é isso mesmo: um mero alibi para a inação de quem quer tudo como está. E que afirmemos com firmeza que, quando é o respeito pela decisão de cada um que é aumentado, o plano inclinado é ascendente, não descendente.  Sim, é de aumento da dignidade coletiva que se trata quando se afirmam os direitos contra o sofrimento.
José Manuel Pureza