Você já reparou que seus amigos de direita desapareceram do seu “feed” no Facebook? Percebeu como os anúncios do Google resolveram ofertar justamente aquilo que você pensou em comprar, mas viu o preço e acabou desistindo?

Pois saiba que seus amigos continuam na ativa, malhando a esquerda nas redes sociais, mesmo com as revelações sobre o Aécio Neves. A diferença é que eles não aparecem mais no seu Facebook, da mesma forma que você não aparece mais no deles.

Trata-se do princípio de relevância, o mesmo capaz de tornar o Google uma espécie de Mágico de Oz, capaz de criar um mundo sob medida para você. Antes de comemorar, vale conhecer o alerta de quem afirma que isso mais asfixia do que liberta.

É o caso de Eli Pariser, co-fundador da Upworthy e presidente da MoveOn.org, que em entrevista ao El País lembrou que “a democracia requer que os cidadãos vejam as coisas a partir de outros pontos de vista, em vez disso, estamos cada vez mais fechados em nossas bolhas”.

Bolhas de interesse
 
Pariser explica que isso acontece porque as empresas de internet filtram o conteúdo que é apresentado ao usuário, com base no seu comportamento na rede. Isso faz com que ele tenha acesso apenas a ideias que lhe são afins, reduzindo a possibilidade dele entrar em contato com o contraditório.

Em “O Filtro Invisível: o que a Internet está escondendo de você” (Zahar, 2012) ele analisa como corporações como Facebook, Amazon e Google se utilizam de algoritmos a partir do histórico e do perfil dos usuários na internet, ameaçando a liberdade na rede.

Em sua participação no TED Talks (confira aqui), Pariser detalha esse processo, explicando a criação de “filtros-bolha”, compostos por todos os filtros e algoritmos que geram um universo de informação sobre cada internauta. Um universo “próprio, pessoal e único” gerado a partir do que os usuários da internet são e fazem na rede.

Esses algoritmos criam o conteúdo que será ofertado, diminuindo a possibilidade de escolha do usuário e restringindo o acesso ao que extrapola esta bolha de interesses, por exemplo, visões de mundo desafiadoras que fariam o internauta reavaliar seus pontos de vista.

Pariser relata, por exemplo, sua surpresa diante do desaparecimento de seus amigos conservadores no Facebook. O sistema simplesmente percebeu que ele clicava mais nos links de seus amigos liberais e, sem consultá-lo, ocultou as postagens dos amigos conservadores em sua rede social.

Em relação ao Google, o mesmo processo: “não há mais um Google padrão”, aponta. A partir de dados prévios, a plataforma trará diferentes resultados de acordo com o internauta que realizar a pesquisa. Segundo Pariser isso evidencia a “edição algorítmica e invisível” praticada pelas corporações no ambiente virtual.

A rede passa a “mostrar aquilo que pensa que queremos ver, mas não necessariamente o que precisamos ver”, avalia. Lembrando que antes o controle dos fluxos de informação cabia aos editores da mídia, ele destaca que agora esses editores foram substituídos por algoritmos que se transformaram em “curadores do mundo”, com poder de decisão sobre o que será ou não visto pelo usuário.

“Sou um fatalista das plataformas de Internet como Facebook ou Google. A comunicação de massa já foi transferida para elas. Isso significa ceder a elas o poder de distribuição e aceitar que possam decidir o que entra ou não. É um problema, mas hoje não há alternativa para elas”, denuncia.

Privacidade ameaçada
 
Ao controle apontado por Pariser somam-se as denúncias gravíssimas de Edward Snowden, reveladas em 2013, envolvendo as empresas de internet no esquema de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA) norte-americana.

Em “Sem Lugar para se Esconder” (Sextante, 2014), o jornalista Glenn Greenwald traz uma farta documentação sobre os acordos secretos firmados entre NSA e as corporações da internet no escopo do PRISM, programa que permite a coleta de dados de usuários diretamente dos servidores dessas empresas.

Em um dos slides apresentados no livro (na página 117) nove empresas – Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube, Apple – são citadas como colaboradoras do programa. Segundo Greenwald, todas negaram ter dado acesso ilimitado a seus servidores para a NSA. Facebook e Google afirmaram que “só fornecem informações para as quais a NSA tem mandato”.

Porém, essas empresas “não negaram ter trabalhado com a NSA para montar um sistema por meio do qual a agência poderia ter acesso direito aos dados de seus clientes”, salienta o jornalista. A NSA “alardeou repetidas vezes os méritos do PRISM por suas capacidades de coleta ímpares, observando que o programa foi vital para o aumento da vigilância”, complementa.

Uma vigilância, como indica o slide, capaz de fornecer à agência, por meio desses servidores, acesso a “e-mail, chat (vídeo, voice), fotos, dados armazenados, voIP, transferências de arquivos, videoconferências, notificações de atividade do alvo (logins etc), detalhes de redes sociais na Internet, solicitações especiais”.

É compreensível, portanto, que Snowden tenha enfatizado: “livrem-se de ferramentas como o DropBox e evitem usar o Google e o Facebook”, em 2014, quando do lançamento de CitizenFour, documentário dirigido e disponibilizado na íntegra por Laura Poitras.

Além da espionagem praticada por governos, a violação da privacidade dos usuários na rede e a comercialização de seus dados para os mais diversos fins é outro alerta que vem sendo dado por vários estudiosos. Em seu artigo “A captura do poder pelo sistema corporativo” (confira aqui), o economista Ladislau Dowbor menciona a “erosão radical da privacidade” nas últimas décadas.

Hoje, alerta, “a vida de todos trafega em meios magnéticos, deixando rastros de tudo o que compramos ou lemos, da rede dos nossos amigos, os medicamentos que tomamos, o nosso nível de endividamento”. Empresas conseguem comprar informações pessoais de clientes e também de seus funcionários.

“A defesa dos grandes grupos de informação sobre as pessoas é de que se trata de informações ‘anomizadas’, mas o cruzamento dos rastros eletrônicos permite individualizar perfeitamente as pessoas”, analisa Dowbor.

Ele aponta que o acesso a informações confidenciais das empresas fragiliza grupos econômicos menores diante dos grupos gigantes que podem, inclusive, ter acesso às comunicações internas destes grupos.

“Não se trata apenas de alto nível de espionagem, como se viu na gravação de conversas entre Dilma Rousseff e Ângela Merkel”, mas da violação da privacidade de todos nós e “com apoio de um sistema mundial de captura e tratamento de informações do porte da NSA”.

Disputa pela atenção
 
Donos de 20% dos investimentos em publicidade no mundo em 2016, com uma arrecadação apenas em receita publicitária de US$ 79,4 bilhões (Google) e US$ 26,9 bilhões (Facebook), as duas empresas foram responsáveis por 2/3 do crescimento dos anúncios entre 2012 e 2016, segundo o relatório “Os 30 Maiores Donos de Mídia no Mundo”.

O levantamento também mostra que a Internet desbancou a teve e se tornou o maior meio para o mercado publicitário no mundo. Para entender como funciona esse mercado na rede, são preciosos os estudos de Tim Wu, professor da faculdade de Direito da Universidade de Columbia.

Em “The Attention Merchants” (Alfred A. Konpf, 2016), Tim Wu trabalha o conceito de mercado da atenção, explicando que nada é de graça na internet, porque a atenção do internauta se constitui hoje na principal moeda que circula na rede.

“Quando um serviço on-line é grátis, você não é o consumidor. É o produto”, alerta Tim Wu, analisando o comportamento de plataformas como o Google e o Facebook. Ele também destaca que em um contexto jamais visto de acesso a dados dos consumidores, em que os algoritmos decidem o que será ou não visto, os mercadores de atenção se lançaram em um verdadeiro “vale-tudo” em busca de audiência.

Essas empresas “engolem tudo o que podem aprender sobre você e tentam transformar isso em dinheiro”, aponta autor. Em meio à competição, elas inclusive se utilizam de informações apelativas, em “uma corrida em direção aos mais baixos padrões, apelando para o que se poderia chamar de instintos básicos do público”.

Tim Wu também é autor de “Impérios da Comunicação” (Zahar, 2012) que conta a história da trajetória das tecnologias e dos meios de comunicação, apontando a existência de um padrão, um ciclo de abertura e de fechamento, a cada descoberta tecnológica.

Ele mostra este padrão ao longo da história, trazendo os bastidores da atuação das corporações durante a descoberta do telefone, do rádio, da televisão, do cinema. Há um período inicial de abertura, democratização e liberdade nos meios de comunicação; seguido de um período de refluxo e fechamento, quando os monopólios do mercado se apropriam desses meios.

Ao longo de toda obra paira o questionamento sobre o que acontecerá com a Internet, com um alerta claro sobre os riscos do controle e apropriação do meio pelas corporações às custas da perda de liberdade por parte dos usuários.

Nesta terça-feira (27.06.2017), por exemplo, o Google foi multado pelas autoridades regulatórias europeias por ter favorecido ilegalmente seu próprio sistema de comparação de preços (Google Shopping) em seu mecanismo de buscas. As cifras são astronômicas: € 2,42 bilhões, o equivalente a R$ 8,9 bilhões.

Segundo a Comissão Europeia, com essa prática irregular, a empresa ampliou em 45 vezes no Reino Unido e em 35 vezes na Alemanha o número de acessos a seus serviços. Às empresas que competiam com o Google nestes países tiveram uma perda do tráfico de 85% e 92% respectivamente.

Cifras astronômicas que atestam a dimensão do poder dessas empresas.

Internet e eleições 2018
 
Os alertas e questionamentos instigados por Parisier, Snowden, Greenwald, Dowbor e Tim Wu ganham um peso ainda maior se pensarmos o papel que as mídias sociais terão nas eleições de 2018.

Dados da última sondagem do Ibope, realizada com o público apto a votar nas eleições presidenciais, apontam que 56% dos entrevistados reconhecem que as mídias sociais terão influência em suas decisões. Para 36%, elas terão “muita influência”.

O interessante da pesquisa é que o índice de relevância das mídias sociais, embora seja o mesmo ao atribuído à mídia tradicional (35% apontam “muita influência”), cresce cada vez mais no eleitorado de 16 a 24 anos: 48% deles consideram que as mídias sociais terão “muita influência” na sua escolha.

Trata-se, portanto, de uma eleição que se dará em um contexto de forte recrudescimento dessas bolhas de interesse, em um processo global de ampliação do controle pelas corporações que detêm acesso a dados de usuários e poder de decisão sobre o que é destaque ou não nas redes.

Um contexto, inclusive, de grandes dificuldades e desafios para a Mídia Alternativa no país. Hoje, a única capaz de irrigar o contraditório na pauta nacional, lamentavelmente, desidratada pelo discurso hegemônico, autoritário e golpista dos caudilhos que se arvoram donos da comunicação brasileira.

Original aqui.