A assimetria de poder é uma das maiores de qualquer conflito no mundo, mas os média ocidentais ainda usam um quadro de “ciclo de violência”, com “ambos os lados“ descritos como dois partidos iguais. O termo “confrontos” permite que o façam perpetuamente, independentemente do quão unilateral a violência é.

O uso da expressão “confrontos” para designar o massacre dos palestinianos baleados na Marcha do Retorno foi unânime também na imprensa portuguesa.

 

Como a FAIR já notou (exemplos: Extra!, 1/17 FAIR.org, 4/2/18 ), o termo “confronto” é quase sempre usado para branquear a assimetria de poder e dar ao leitor a impressão de duas fações beligerantes similares. Fazê-lo obscurece a dinâmica do poder e a natureza do próprio conflito, por exemplo, quem o instigou e que armas foram usadas. “Confronto” é o melhor amigo do repórter quando este quer descrever a violência sem ofender ninguém com poder. Nas palavras de George Orwell, “nomear as coisas sem usar as imagens mentais delas”.

É previsível, então, que na cobertura dos recentes tiroteios de Israel sobre Gaza – que mataram mais de 30 palestinos e feriram mais de 1100 –, a palavra “confrontos” seja usada para eufemizar os snipers que, em posições seguras, disparam sobre manifestantes desarmados a 100 metros de distância:

RTP Notícias, 31/3/2018
Correio da Manhã, 30/3/2018

 

É quase tão bizarro quanto a altura em que vários meios de comunicação se referiram a um nacionalista branco que conduzia um carro para cima de uma multidão de manifestantes desarmados em Charlottesville como um “confronto” (FAIR.org, 17/8/17):

 

  • Observador, 2/4/20

 

Sic Notícias, 6/4/2018

 

“Confronto” implica algum grau de simetria. Quando um lado está a morrer às dezenas e o outro está sentado atrás de um muro altamente protegido, a disparar à vontade contra pessoas desarmadas a centenas de metros de distância (algumas das quais vestem coletes marcados com a palavra “PRESS”), isso não é um “confronto”. É um “massacre” ou, no mínimo, “disparar contra manifestantes”. (Nenhum israelita foi ferido, o que seria algo surpreendente caso os dois lados estivessem mesmo “em conflito”).

A ideia de “confrontos” não é necessária para reportar inimigos americanos. Em 2011, as manchetes ocidentais descreviam Moammar Gaddafi, da Líbia, e Bashar al-Assad, da Síria, como tendo “disparado contra manifestantes” (por exemplo, Guardian, 2/20/11 (link is external); New York Times, 25/3/11 ). O inglês simples funciona ao relatar aqueles que têm más relações com a segurança nacional dos Estados Unidos, mas para aliados dos Estados Unidos a pressão por falsa paridade requer eufemismos cada vez mais absurdos para mascarar o que realmente acontece – neste caso, o assassinato à distância de seres humanos desarmados.

Israel tem uma intervenção militar de ponta: F35s, corvetas Sa’ar, tanques Merkava e mísseis Hellfire, sem mencionar o aparato de vigilância mais intrusivo do mundo; controlo total sobre o ar, o mar e a terra. Nos protestos da Grande Marcha de Retorno, os palestinianos usaram pedras, pneus e, segundo a IDF, o ocasional cocktail Molotov, embora não haja provas da sua utilização. A assimetria de poder é uma das maiores de qualquer conflito no mundo, mas os média ocidentais ainda usam um quadro de “ciclo de violência”, com “ambos os lados“ descritos como duas partes iguais. O termo “confrontos” permite que o façam perpetuamente, independentemente do quão unilateral a violência é.

Por Adam Johnson.

Artigo publicado originalmente em Fair.org

Tradução de Ana Bárbara Pedrosa