Esta é a situação dos milhares de pessoas refugiadas expulsas de suas casas pela violência e a guerra e que se encontram agora diante da ameaça dessa doença para a qual ainda não se conhece cura. Estamos a assistir à maior catástrofe humanitária desde a Segunda Guerra. Haveria tempo e vontade para reagir e enfrentar essa tragédia?

.

.

 

 

Fugitivos da fome, da miséria e das guerras violentas em seus países, os 80 milhões de refugiados que se encontram na Europa e nos países do mundo enfrentam um novo inimigo. Uma outra ameaça à vida, mais insidiosa do que aquelas outras que tentaram deixar para trás em fugas desesperadas que incluíram mergulhos no desconhecido e travessias por mares distantes muitas vezes fatais. O Covid-19, tão mortal quanto as perseguições das quais pretenderam escapar, inimigo traiçoeiro porque invisível, ronda os campos e acampamentos espalhados pela Grécia, Turquia e outros países da Europa. E que deixa um rastro de vítimas onde tem atacado, em qualquer lugar do mundo.

As condições dos campos de refugiados são precárias, a assistência médica deficiente. Pouca comida, poucos remédios, higiene também precária fazem daquelas pessoas um alvo do coronavírus e de outras doenças que também podem se transformar em epidemias mortais.

Os números

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) tem procurado se movimentar. Segundo seu diretor Filippo Grandi, milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a fugir das suas casas devido a conflitos, perseguições, violência e abusos. Mais de 25 milhões são refugiados e cerca de 41 milhões são deslocados internos. Dos cerca de 100 países afetados pela epidemia do novo coronavírus, 34 acolhem grupos de refugiados com mais de 20.000 pessoas. A agência da ONU diz que 84% dos refugiados vivem em países onde os sistemas de saúde, de fornecimento de água e de saneamento são deficientes.

 

 

Os refugiados e os que foram forçados a se deslocar dentro de seus próprios países por causa de conflitos, guerras ou perseguições vivem em lugares superlotados onde há carência de recursos, impossibilidade de ajuda e principalmente de serviços de saúde pública. Uma tragédia que acompanha a pandemia que avança e cujos números de vítimas expandem-se diariamente.

De acordo com as informações da ONU, mais de dois terços dos refugiados atualmente vêm de cinco países: Síria (6,7 milhões), Afeganistão (2,7 milhões), Sudão do Sul (2,3 milhões), Mianmar (1,1 milhão) e Somália (900 mil). Dos países da Europa, o mais solidário, que tem acolhido o maior número de migrantes é a Alemanha, que deu abrigo a mais de um milhão. Mas o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e outros partidos neonazistas desenvolvem uma campanha que procura demonizar os imigrantes e refugiados como portadores de todo o mal e que precisam ser combatidos.

 

 

Metade daqueles que foram expulsos de suas casas são crianças ou adolescentes, muitos deles sozinhos, separados dos pais, em busca de proteção. O diretor geral do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados pede recursos iniciais de 33 milhões de dólares para um sistema de prevenção à disseminação do coronavírus entre os migrantes.

Na Grécia, as autoridades da Saúde dizem temer um surto nas ilhas que abrigam milhares de refugiados ao mesmo tempo em que o embaixador da Turquia nos Estados Unidos afirmava ser uma missão impossível prevenir um alastramento do vírus nos acampamentos. Entidades que defendem direitos humanos alertam que há o perigo de haver uma tentativa de estigmatizar os fugitivos ao relacioná-los à pandemia que se encontra em curso. René Wildangel, representante do Conselho Europeu de Relações Exteriores, diz que a chegada de novas levas de refugiados à Europa é um assunto polêmico e o debate pode aprofundar-se. Afirmar que a chegada de refugiados representa ameaça, disse ele, “é perigoso e provavelmente ajudará a desviar o discurso de maneira negativa.” Ou seja, ajudará a aumentar o preconceito já existente em relação aos fugitivos que conseguem chegar ao espaço europeu.

 

 

E há as populações deslocadas dentro da própria Síria, o belo país que se viu emboscado numa violenta disputa geopolítica entre potências. Existem mais de seis milhões de pessoas que foram forçadas a deixar o lugar onde moravam e se deslocarem dentro do próprio país. Com a violência em Idlib, no noroeste da Síria, provocada pela intervenção turca e a reação russa, 3 milhões de fugitivos estão comprimidos numa área que antes tinha apenas 160 mil habitantes. Se agora irromper um surto do vírus, será um massacre. Idlib não dispõe de hospitais e o simples hábito de lavar as mãos torna-se difícil em alguns campos porque não existe água suficiente. Há uma torneira para cada 130 habitantes e não existem produtos de higiene. Não há espaço e são várias famílias a compartir uma mesma tenda. Como fazer o isolamento e a distância social recomendadas no combate ao Covid-19?

Os ataques de grupos de extrema direita aos campos de refugiados na ilha grega de Lesbos, no início de março, fez com que os grupos de ajuda humanitária que ali atuavam suspendessem os seus trabalhos.

Esta é a situação dos milhares de refugiados expulsos de suas casas pela violência e a guerra e que se encontram agora diante da ameaça dessa doença para a qual ainda não se conhece cura. Estamos a assistir à maior catástrofe humanitária desde a Segunda Guerra. Haveria tempo e vontade para reagir e enfrentar essa tragédia?

Por Celso Japiassu

Carta Maior