Os tribunais estão impedindo que oficiais de governos bloqueiem críticos nas suas contas nas redes sociais.

(Rose Wong)                                                                               Créditos da foto: (Rose Wong)

 

Com Donald Trump fora da Casa Branca e banido das principal plataforma de mídia social, a Suprema Corte finalmente encerrou o longo processo judicial sobre a prática do ex-presidente de bloquear críticos da sua conta no Twitter, declarando o caso como irrelevante.

O processo, que nós e nossos colegas iniciamos seis meses após o começo do mandato de Trump, provavelmente será lembrado como um artefato da era Trump – uma colisão da Primeira Emenda, com as patologias das redes sociais e um demagogo carente e sensível indiferente aos limites constitucionais que permeiam sua autoridade.

Mas o caso terá efeitos duradouros, mesmo que a decisão do tribunal de apelações de que Trump agiu inconstitucionalmente agora tenha sido anulada. O caso possui implicações mais amplas para outros oficiais do governo e para outras plataformas além do Twitter, e irá moldar a esfera pública digital – de maneiras valiosas – por bastante tempo.

O caso surgiu devido à decisão de Trump de conduzir sua presidência por meio de tuítes. De início, ele usou sua conta do Twitter para agendar compromissos de gabinete, anunciar iniciativas políticas e engajar com líderes estrangeiros. Ele usou a plataforma para depreciar e discutir com seus adversários aparentes, incluindo jornalistas e ex-representantes de sua própria administração.

Explorando as ferramentas interativas do Twitter, ele usou sua conta para se comunicar diretamente com o público, não filtrado pelo que ele chamava de “mídia das fake news”. Para seus críticos – e para alguns de seus seguidores, também – os hábitos de Trump no Twitter eram indignos ou pior, um insulto ao seu cargo. Ele via as coisas de modo diferente. “Meu uso das redes sociais não é presidencial – é um uso presidencial moderno”, ele tuitou no verão de 2017.

A proposição principal do processo era que a conta de Trump havia se tornado um fórum público por propósitos da Primeira Emenda porque era um espaço que um oficial do governo havia aberto ao público para expressão. É estabelecido que a Primeira Emenda proíbe que oficiais públicos excluam cidadãos de fóruns públicos como reuniões de conselhos municipais, escolares e assembléias municipais por causa de suas opiniões políticas. Nós argumentamos que os oficiais que usam suas contas nas redes como extensões de seus mandatos devem ser submetidos à mesma regra.

Alguns intelectuais da área jurídica questionaram se a doutrina do fórum público deveria ser exercida em plataformas privadas. Nós apontamos que tribunais já exerceram a doutrina em propriedades privadas anteriormente, e que a alternativa seria permitir que conselhos municipais e outros órgãos públicos evitem a Primeira Emenda simplesmente movendo suas reuniões para salas de conferência de hotéis. O tribunal distrital e o tribunal de apelações, por fim, concordaram conosco.

Depois de o tribunal distrital divulgar sua decisão no nosso caso, a Casa Branca desbloqueou nossos clientes e dezenas de outros que haviam sido bloqueados da listagem de conversas de Trump após criticarem o presidente ou suas políticas.

Nosso caso focou no ex-presidente, mas suas implicações são mais amplas. Oficiais do governo e agências do governo de todo o país agora usam as redes sociais para se comunicar com o público. A Deputada Alexandria Ocasio-Cortez, Democrata de Nova York, tem usado sua conta no Twitter para solicitar as opiniões de seus constituintes sobre sua agenda legislativa. O Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) diz que sua conta no Twitter tem o objetivo de compartilhar “atualizações diárias confiáveis sobre saúde e segurança”. A Divisão de Gerenciamento de Emergência da Flórida usa sua conta para alertar residentes sobre furacões e informá-los sobre auxílios emergenciais.

Quando oficiais e agências usam a rede social interativa para esses fins, eles criam espaços que possuem funções importantes na nossa democracia. Suas contas podem ser fontes de informações oficiais, canais pelos quais os cidadãos podem peticionar para seus legisladores a “reparação de injustiças” (como coloca a Primeira Emenda) e fóruns pelos quais os cidadãos podem trocar informações e ideias. O mesmo raciocínio que levou o tribunal de apelações a decidir que Trump não poderia constitucionalmente bloquear críticos da sua conta do Twitter deixa claro que outros atores governamentais que engajam em condutas similares, o fazem por sua conta e risco.

Na realidade, desde que entramos com o processo, quase uma dúzia de outros tribunais exerceram a doutrina de fóruns públicos da Primeira Emenda em casos envolvendo as contas das redes sociais de legisladores, prefeitos, xerifes e conselheiros municipais. O efeito desses decretos vai além dos litigantes. Com consciência sobre essas regras, muitos oficiais governamentais que estavam excluindo pessoas de suas contas com base no ponto de vista mudaram suas práticas voluntariamente.

Esses decretos também têm implicações para contas não gerenciadas pelo governo em plataformas além do Twitter. O Exército e a Marinha têm usado o Twitch, uma plataforma de jogos, para transmitir esportes eletrônicos ao vivo como parte de seus esforços de recrutamento. As pessoas que assistem a esses vídeos games com muitos jogadores nos canais do exército no Twitch também podem trocar mensagens em fóruns moderados. As trocas podem ser amplas, mas até recentemente os moderadores começaram a excluir participantes que perguntavam sobre crimes de guerra. Os moderadores mudaram de curso somente depois que a decisão do tribunal sobre Trump chamou sua atenção.

Esses desenvolvimentos na lei, e na prática das agências do governo e oficiais do governo, devem ser bem recebidos. A tecnologia deve ser nova, mas a regra que figuras governamentais não podem excluir pessoas de fóruns públicos com base em pontos de vista tem sido praticamente um sinônimo da Primeira Emenda por décadas. É bom que porta-vozes que anteriormente eram silenciados agora possam falar sobre suas queixas e desacordos, que oficiais do governo que eram previamente protegidos das visões dos seus constituintes agora estejam expostos a eles e que os fóruns digitais que eram previamente salas com somente uma opinião agora sejam ideologicamente diversas.

Nos próximos anos, os tribunais, legislaturas e o público terão que responder a muitas perguntas delicadas sobre liberdade de expressão e redes sociais, incluindo sobre a extensão do poder do Congresso para regular empresas. Como apontou o juiz Clarence Thomas em conexão com a ordem da Suprema Corte, algumas dessas questões foram apresentadas claramente pela decisão da maior empresa de rede social de banir Trump depois da invasão ao Capitólio. Em comparação com essas questões, a que foi apresentada no nosso caso era fácil.

Mas se a proposição de que oficiais do governo não podem excluir oradores de fóruns públicos por causa de suas visões políticas é objetiva, também é fundamental para a nossa democracia. Mesmo aqueles não motivados a agradecer Trump por qualquer coisa, talvez possam agradecê-lo por ter dado aos tribunais uma razão para reafirmar esse princípio básico.

Jameel Jaffer e Katie Fallow

*Publicado originalmente em ‘New York Times‘ | Tradução de Isabela Palhares para Carta Maior