Lawfare, um fenômeno de alcance global que entra no terreno da guerra de quarta geração e dos métodos de golpe brando. No jogo da política, o capitalismo financeiro global encontrou outras formas de avançar em lugares onde a organização popular é um obstáculo aos seus planos econômicos e sociais

 

 

Nos últimos dias temos visto aparecer com maior força os termos sobre a judicialização da política ou o denominado lawfare. Um fenômeno de alcance global, que entra no terreno da guerra de quarta geração e dos métodos de golpe brando. No jogo da política, o capitalismo financeiro global encontrou outras formas de avançar em lugares onde a organização popular é um obstáculo aos seus planos econômicos e sociais.

Do que estamos falando quando nos referimos a lawfare?

Este termo tem uma origem militar e descreve métodos de guerra não convencionais, no qual a lei é utilizada para conseguir o objetivo. Ou seja, o uso dos instrumentos jurídicos para fins de perseguição política, destruição de imagem pública ou impedimento de um adversário político. Para isso, se combinam ações aparentemente legais, uma cobertura de imprensa que permite, por um lado, instalar eixos narrativos, e, por outro, gerar pressão sobre os acusados e seus aliados. Dessa forma, tentam diminuir o apoio popular que esses adversários costumam ter, ou impedir de algum modo que esse apoio se faça efetivo democraticamente.

Na América Latina, a estratégia foi lançada em alguns países onde o Poder Judiciário passou a agir politicamente, através de juízes e promotores, e usando mecanismos que permitem interferir nos equilíbrios políticos ou baseando-se numa rede de influências e procedimentos que não estão vinculados diretamente ao voto popular.

No Brasil, a presidenta Dilma Rousseff foi retirada do seu cargo, para o qual foi eleita legitimamente, graças a um processo cheio de vícios e irregularidades, mas que foi apoiado pelo Legislativo e pelo Judiciário. Depois disso, veio o complô contra Lula da Silva, o homem que transformou o Brasil e estava pronto para voltar ao poder, ainda mais com o desastre do governo que assumiu após o golpe de Estado. A sentença judicial que retira Lula do jogo eleitoral, após uma série de incriminações que passarão à história por seu conteúdo farsesco, também configuram um golpe letal à democracia brasileira.

Na Colômbia, o ex-prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, principal candidato da esquerda nas eleições presidenciais do país, é alvo de iniciativa judicial igualmente assustadora, e como o mesmo objetivo: tirá-lo da disputa eleitoral – além de levá-lo à bancarrota pessoal, com multas de várias dezenas de milhões de dólares. O caso tem relação com uma política de tarifas diferenciadas no transporte público, que ele impulsou quando foi prefeito da capital colombiana.

Na Argentina, as tropas judiciárias se lançam sobre Cristina Fernández de Kirchner e seus ex-funcionários e dirigentes sociais (Boudou, Timmerman, Zanini, D´Elia, Milagro Salas). Sem contar a intervenção da Justiça no Partido Justicialista Nacional, baseada em argumentos que são políticos e não jurídicos.

No Equador, está se preparando a mesa para o prato principal, que é o julgamento e condenação de Rafael Correa. Também há casos semelhantes em países como Paraguai e Honduras, onde a direita controla os poderes Legislativo e o Judiciário – sem contar o Executivo, onde, em ambos os casos, esse setor recuperou a hegemonia através de golpes parlamentários, destituindo Fernando Lugo e Manuel Zelaya, respectivamente.

O processo de judicialização pode ser analisado sobre três aspectos: o rol do partido judicial, que tece uma rede de esquemas e figuras capazes de marcar o rum dos países latino-americanos, o timing político para lançar, na hora certa, as causas que levarão aos ajustes estruturais que se pretendem alcançar. Causas estas que geralmente se baseiam numa luta anticorrupção politicamente caolha e sintonizada com a visão de Estado e de bem público defendida pelas instituições financeiras internacionais e pelos organismos bilaterais estadunidenses – os quais, lá pelos Anos 80 e 90, começaram a defender reformas jurídicas nos países, como parte da batalha contra a “ineficiência do Estado”. O princípio ideológico é o de que “a corrupção dentro do Estado deve ser extirpada, apelando às “boas práticas” do setor privado para substituir a “lógica” do bem público, a qual é associada ao desperdício é a má gestão.

Então, entendemos porque a perseguição judicial vem sendo exacerbada contra funcionários de governo onde o Estado recuperou seu protagonismo em matéria econômica e social, revalorizando o conceito de serviço público.

O que se esconde por trás desse jogo é a tarefa de tentar disciplinar os setores populares (ou a classe trabalhadora) que esses líderes atacados representam, através da judicialização das lideranças progressistas, como também através da criminalização dos movimentos sociais, impondo um clima de ameaça contra qualquer iniciativa de mobilização popular.

O que parece estar ocorrendo agora é que a direita e os poderes econômicos concentrados tomou, de maneira definitiva e irreversível, as rédeas da judicialização. Decidiram intervir nos processos políticos, com o objetivo de frear ou condicionar os processos democráticos, como o que ocorre na Venezuela, ou para impedir que movimentos sociais tenham incidência no debate político, e que líderes como Lula, Cristina e Correa voltem a ser eleitos através da participação popular e democrática.

Javier Pelegrina. Advogado e redator-investigador argentino do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
www.estrategia.la

Fonte: Carta Maior