Caminhão que integrava um comboio de ajuda humanitária que tentava chegar à Venezuela parado sobre a ponte internacional Francisco de Paula Santander, em Cúcuta, na Colômbia, em 23 de fevereiro de 2019, na fronteira com a Venezuela.Caminhão que integrava um comboio de ajuda humanitária que tentava chegar à Venezuela parado sobre a ponte internacional Francisco de Paula Santander, em Cúcuta, na Colômbia, em 23 de fevereiro de 2019, na fronteira com a Venezuela. Foto: Fernando Vergara/AP

 

TODAS AS PRINCIPAIS guerras dos EUA nas últimas décadas começaram da mesma maneira: o governo dos EUA fabricou uma mentira inflamatória e emocionalmente provocadora – que grandes meios de comunicação do país trataram acriticamente como verdade – ao mesmo tempo em que se recusou a veicular questionamentos ou divergências, provocando assim uma raiva primitiva contra o país que os EUA desejavam atacar. Foi assim que tivemos a Guerra do Vietnã (Vietnã do Norte ataca navios dos EUA no Golfo de Tonkin), a Guerra do Golfo (Saddam arrancou bebês de incubadoras) e, é claro, a guerra no Iraque (Saddam tinha armas de destruição em massa e formou uma aliança com a Al-Qaeda).

Foi exatamente esta a tática usada no último dia 23 de fevereiro, quando a narrativa mudou radicalmente em favor das autoridades norte-americanas que desejam operações de mudança de regime na Venezuela. Isso porque foram transmitidas a todo o mundo imagens de caminhões que levavam ajuda humanitária sendo queimados na fronteira da Colômbia com a Venezuela. Autoridades que vêm defendendo uma guerra para mudar o regime na Venezuela – Marco Rubio, John Bolton, Mike Pompeo, o diretor da Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAid), Mark Green – usaram o Twitter para disseminar fake news clássicas: todos declararam com veemência que os caminhões foram incendiados, de propósito, por forças do presidente Nicolás Maduro.

 

Cada um dos caminhões incendiados por Maduro levava 20 toneladas de comida e remédios. Isto é um crime, e se a legislação internacional tem algum valor, ele deve pagar alto por isso. #23FAyudaHumanitaria https://t.co/IrGzrOUX09

— Marco Rubio (@marcorubio) 23 de fev de 2019

 

Bandidos mascarados, civis mortos a bala e o incêndio de caminhões levando comida e remédios extremamente necessários. Foi essa a resposta de Maduro a esforços pacíficos para ajudar os venezuelanos. Países que ainda reconhecem Maduro devem pensar bem no que estão apoiando. pic.twitter.com/KlSebd2M5a

— John Bolton (@AmbJohnBolton) 23 de fev de 2019

 

@SecPompeo: Nós condenamos a recusa de Maduro de permitir que a assistência humanitária chegue à #Venezuela. Que tipo de tirano doente impede a chegada de comida a pessoas famintas? As imagens de caminhões cheios de ajuda pegando fogo são revoltantes. https://t.co/zzFNYVly2c

— USConsulateFrankfurt (@usconsfrankfurt) 24 de fevereiro de 2019

 

#Maduro ordenar o incêndio de caminhões cheios de ajuda humanitária e o ataque a voluntários é inconcebível. Eu condeno os assassinatos e os abusos aos direitos humanos cometidos por Maduro. Os ataques violentos contra a ajuda para salvar vidas na #Venezuela é desprezível. #EstamosUnidosVEhttps://t.co/BOSuVP1mTL

— Mark Green (@USAIDMarkGreen) 23 de fevereiro de 2019

 

Como sempre faz – como sempre fez desde o princípio, quando Wolf Blitzer se misturou às tropas dos EUA –, a CNN saiu na frente, não apenas disseminando essas mentiras do governo como também se propondo independentemente a atestar sua veracidade. Em 24 de fevereiro, a CNN disse ao mundo o que todos sabemos ser uma mentira absoluta: que “uma equipe da CNN viu dispositivos incendiários da polícia no lado venezuelano da fronteira pondo fogo nos caminhões”, embora tenha generosamente acrescentado que “os jornalistas da rede não têm certeza se os caminhões foram incendiados de propósito”.

Outros meios de comunicação endossaram a mentira, ainda que ao menos evitando fazer como a CNN, que a validou pessoalmente. “Ajuda humanitária destinada à Venezuela é incendiada, aparentemente por tropas leais a Maduro”, alegou The Telegraph. A BBC publicou acriticamente: “Também tem havido relatos de vários caminhões humanitários sendo queimados – algo que Guaidó disse ser uma violação da Convenção de Genebra”.

Essa mentira – sustentada por imagens em vídeo incrivelmente fortes – mudou tudo. Desde então, a história de que Maduro incendiou caminhões cheios de ajuda humanitária vem sendo repetida sem parar como fato comprovado em meios de comunicação dos EUA. Imediatamente após a alegação, políticos que estavam em silêncio a respeito da questão da Venezuela ou mesmo relutantes em apoiar a mudança de regime começaram a emitir declarações a apoiando. Estrelas do jornalismo e especialistas famosos que não têm um único neurônio crítico quando o assunto são alegações pró-guerra de autoridades norte-americanas assumiram a liderança batendo os tambores de guerra sem gastar um segundo para questionar se o que estava sendo dito era verdade:

 

Isso é simplesmente maldade https://t.co/kDOJBZ48td

— Kasie Hunt (@kasie) 23 de fev de 2019