Ao princípio foi um ataque a campos petrolíferos sauditas lançado pela resistência iemenita. Agora, passada mais de uma semana, as certezas iniciais foram-se esbatendo para dar lugar a um conjunto de factos debatendo-se numa teia de mistérios e alimentando uma enorme confusão – boa para os pescadores globais de águas turvas. Entre os quais os grandes especuladores financeiros, os adeptos da bolha da dívida, os amantes das “crises do petróleo” e os fanáticos da necessidade de uma guerra contra o Irão.

 

Fogo e, sobretudo, muito fumo envolvem os mistérios do ataque a campos petrolíferos sauditas

 

Na manhã do passado dia 14 de Setembro, um sábado, alguns drones – drones ou mísseis de longo alcance? – atingiram os dois campos de petróleo mais importantes da Arábia Saudita, incendiaram-nos e destruíram aparentemente metade da produção de petróleo da Arábia Saudita, o que medido em termos de produção mundial representa apenas cinco por cento. Uma fracção que poderia ser coberta em pouco tempo por outros produtores de petróleo do Golfo; ou, como afirmaram os sauditas, um contratempo que ficará resolvido até final de Setembro com o regresso da produção aos níveis registados antes do ataque.

A reacção financeira foi imediata. As acções sauditas caíram, os preços do petróleo subiram, a seguir estagnaram e depois voltaram a descer. Foi uma reacção imediata da especulação algorítmica dos grandes bancos, com cerca de dez mil ordens operacionais por segundo. Um teste para coisas maiores que estarão para vir?

Os xiitas iemenitas, os Houthi, reivindicaram imediatamente a autoria do ataque afirmando que enviaram uma dezenas de “drones suicidas” contra os principais campos de petróleo e os centros de processamento da Arábia Saudita. O secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, responsabilizou imediatamente o Irão pelo “ataque terrorista”, sem uma gota de evidência, e logo foram impostas novas sanções económicas contra Teerão (Trump disse orgulhosamente que se trata das mais severas algumas vez aplicadas a um país), por acontecimentos com os quais nada tem a ver. Os sauditas, no entanto, como se estivessem confusos, contiveram as acusações; e desde esse dia abstêm-se de acusar o Irão. Sabendo-se como a Arábia Saudita e o Irão não morrem de amores um pelo outro, seria fácil a Riade culpar Teerão.

Quem disparou? De onde disparou?

Imediatamente após o ataque, um alto funcionário do governo do Iraque garantiu também que este foi desencadeado a partir de solo iraquiano, não do Iémen. Logo a seguir, as autoridades iraquianas negaram que tivessem qualquer coisa a ver com os acontecimentos. No entanto, o local iraquiano do lançamento do ataque foi “confirmado” por Entifadh Qanbar, principal analista iraquiano nos Estados Unidos, presidente e fundador da Future Foundation. O jornal Asia Times afirma que se trata de uma figura que acompanha de perto os desenvolvimentos no seu país de origem, com muitos associados que o alimentam com informações que mais de uma vez se revelaram exactas. Aparentemente, as suas informações sobre o início do ataque são sustentadas pela história anterior e, a dado momento, pelas próprias declarações de Pompeo.

Então, e por ora, estamos cientes do seguinte: através de Pompeo não sabemos de onde partiu o ataque. Culpou o Irão e, depois da declaração de Qanbar, juntou-se ao coro dizendo que não havia origem iemenita mas sim iraquiana. Posteriormente, a localização foi estabelecida ainda mais perto das fronteiras do Irão, a partir de “um território mantido por rebeldes simpatizantes de Teerão”. Seja como for, o Irão será sempre o mau da fita.

Segundo os relatos do Asia Times, é cada vez mais seguro que o ataque aos campos de petróleo de Khurais e ao centro de processamento petrolífero de Abqaig, na Arábia Saudita, foram lançados do sul do Iraque e não pelos Houthi no Iémen. O próprio secretário Pompeo afirmou que “não existem provas de que os ataques partiram do Iémen”.

Se tudo isto se parece com uma grande confusão criada artificialmente é porque se trata de uma grande confusão criada artificialmente. Todos os dedos apontam para o Irão (excepto, miraculosamente, os da Arábia Saudita) – e os grandes meios de comunicação adoram. Agora, mais de uma semana depois da operação, já ninguém se lembra que os Houthi assumiram a responsabilidade. É o Irão: o blitz dos media venceu.

E as sofisticadas defesas sauditas?

Analisemos o assunto com mais cuidado.

Os sauditas têm um orçamento militar anual de 70 mil milhões de dólares, um exército equipado com os sistemas de defesa antimísseis dos Estados Unidos – um orçamento bastante considerável para um país repleto de bases militares norte-americanas, que recebe apoio militar e logístico, consultadoria técnica e sistemas de defesa dos Estados Unidos, além de bombas e mísseis fornecidos pelo Reino Unido, França e Estados Unidos. Como é possível que a defesa saudita, apoiada por Estados Unidos, Reino Unido e França, tenha sido incapaz de detectar um ataque, ainda que sofisticado, com drones (ou mísseis?) – alguns dizem excessivamente sofisticados para os Houthi? Será que uma situação destas não levanta muitas perguntas?

Quem ganha com a operação? É verdade que o tabuleiro da guerra do Iémen está a virar-se para o lado dos Houthi, que claramente tomaram a iniciativa. O Iémen perdeu dezenas de milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças, devido a bombardeamentos, carências de assistência, doenças, incluindo uma epidemia massiva de cólera, numa guerra injusta que não provocou, iniciada em 2015 pela Arábia Saudita a rogo dos manipuladores de Washington e do Pentágono.

Em grandes quantidades de destroços de armas pode ler-se “Made in USA” – o que poderá levar a concluir que os Estados Unidos, e não os sauditas, estão em guerra com o Iémen. O Iémen tem uma localização geográfica e geopolítica estratégica; por isso não pode ser dirigido por um governo favorável ao povo, muito menos socialista, como os Houthi dizem ser. Além disso, o Iémen tem enormes reservas de petróleo nas suas águas territoriais e não só.

Não será lógico que os Houthi respondam aos ataques externos para se defender e, eventualmente, pôr termo à guerra e às suas incríveis atrocidades? Não é estranho que a miséria e as dezenas de milhares de mortos no Iémen provocadas por uma agressão injusta e puramente criminosa instigada pelos Estados Unidos e realizada por Riade ao longo de quatro anos tenha uma pálida cobertura mediática quando comparada com a que merecem dois campos sauditas de petróleo em chamas? Não diz isto muito sobre os programados cérebros ocidentais, o seu sentido de humanidade ou o que resta dele?

Falsa bandeira?

O grande vencedor pode ser Washington. Agora tem uma nova e devastadora razão para culpar o Irão, para impôr mais sanções, para iniciar um confronto directo com Teerão – possivelmente através de Israel ou das forças da NATO, essa máquina internacional de matar “neutra”, uma amálgama de cobardes europeus e do Canadá que adoram dançar ao som de Washington almejando algumas migalhas no final do dia e antes que os impérios caiam. Mas há mais. Quase sem relação, há pontos que, olhados bem de perto, se interligam. É aí que entra a hipótese de estarmos mais uma vez perante uma operação “de falsa bandeira”. É realmente muito possível que o ataque, com drones (ou mísseis?) tenha sido lançado do Iraque directamente por forças norte-americanas ou por grupos terroristas treinados pelos Estados Unidos.

Os Estados Unidos têm numerosas bases militares no Iraque. Uma operação de falsa bandeira, isto é, neste caso, um ataque a um dos principais recursos energéticos a que o mundo ainda recorre para sobreviver economicamente – os hidrocarbonetos – contribuirá definitivamente para a “nova” crise económica planeada e que já começou a escorrer pelos pilares degradados das infraestruturas sociais ocidentais – desemprego em ascensão (os números verdadeiros) – para atingir o mundo ocidental em pleno durante 2020. Uma crise financeira sustentada pelos preços astronómicos da energia: que cenário melhor para transferir riqueza de baixo para cima, dos pobres para os ricos? Este ataque aos campos de petróleo sauditas pode ser apenas o começo de mais que esteja para vir. Wall Street é treinada para capitalizar a “crise do petróleo”.

Paralelamente a este ataque Houthi ou não-Houthi, e de acordo com avaliações de muitos economistas já foi lançada uma crise de maior envergadura do que a de 2008/2009, pois o crescimento do PIB mundial está a desacelerar-se para além das expectativas. O ano de 2020 e seguintes podem entrar na História como os da pior crise económica desde a Grande Depressão da década de trinta do século passado. Também podem ser os últimos anos do actual sistema de moeda fiduciária ocidental.

Como se constrói a crise? A hegemonia do dólar vacila com rapidez – a confiança na economia dos Estados Unidos está em queda livre. As cabeças pensantes do sistema neoliberal – Reserva Federal (FED), FMI, Banco Central Europeu (BCE) – não conseguem encontrar a “solução certa”, mas é evidente que o princípio de saquear os pobres para benefício dos ricos tem de continuar. Nos últimos dez anos acumulou-se capital social e suficientemente consistente – bem-estar social, pensões, serviços de saúde, educação, infraestruturas públicas, sociais e físicas – para que os cleptocratas puxem para cima alguns milhões de biliões e deixem a classe trabalhadora novamente a começar do zero. O caso da Grécia funciona como uma demonstração em bola de cristal. O FMI, o BCE e a Comissão Europeia devem orgulhar-se da sua conquista.

Aos bancos, meus senhores!

Há confusão e incerteza. A Reserva Federal norte-americana (banco central) reduziu a taxa de juros em 0,25%, para um intervalo de 1,75% a 2%, com explicações incoerentes do respectivo presidente, Jerome Powell, claramente sob pressão do presidente Trump – esperando adiar um pouco mais a crise porque quer ser reeleito no próximo ano. Os juros foram ajustados para reflectir a decisão do FED em outros países europeus. Na Suíça, onde o franco suíço é um dos refúgios nos casos de crise, o Banco Central decidiu deixar as taxas interbancárias em menos 0,75%, em linha com outros bancos centrais ocidentais. Ouvindo os banqueiros centrais, não haverá nenhuma mudança significativa nas taxas de juros baixas ou negativas num futuro próximo. Uma aberração económica, se é que alguma vez houve alguma!

Agora é ir aos bancos, meus senhores! Emprestar e investir sem custos, como se não houvesse amanhã. Ajudem a construir a bolha da dívida – e quando ela explodir todos sabem o que acontece. E ela vai explodir, é só uma questão de tempo.

Parece haver uma indecisão, no entanto: há indícios de que se aproxima uma grande crise do dólar, mas não se sabe até que ponto será “grande”, como acontecerá e onde; um cenário bastante incomum, tratando-se de cabeças pensantes prenhes de sabedoria e que administram o reino financeiro global.

A senhora Christine Lagarde, mudando o chip do FMI para o BCE, o ex-governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, e o ex-chefe da Reserva Federal de Nova Iorque, Bill Dudley, sugeriram que os Estados Unidos poderão ter de abdicar do domínio do dólar – a espinha dorsal da sua hegemonia global – e deixá-lo ser substituído por uma espécie de Direito de Saque Especial (SDR) no qual a moeda norte-americana terá ainda um papel dominante.

O decadente dólar ficaria escondido numa cesta de outras moedas, presumivelmente a libra esterlina, o euro, o iene japonês e o yuan chinês – no caso de ser seguido o padrão da actual cesta de SDR do FMI. O poder hegemónico do dólar ficará oculto, de modo a que as “preocupações” do mundo em relação à economia dominada pela moeda norte-americana possam ser pelo menos parciais e temporariamente mitigadas.

A “crise do petróleo”

O que tem isto a ver com o ataque supostamente iemenita contra os campos de petróleo sauditas?

Tudo.

A redução do petróleo saudita – reduzida a metade, apesar de representar apenas 5% da produção mundial – em circunstâncias normais dificilmente afectaria significativamente os preços mundiais dos combustíveis, a menos que se tornem objecto de especulação e sirvam como um pretexto de “alto risco” especulativo. Goldman Sachs, JP Morgan e outros são especialistas no assunto fazendo as licitações ao FED, FMI, BCE, BIS – os instrumentos ocidentais por detrás do sistema do dólar – permitindo ordenhá-lo o mais possível antes de morder a poeira, deixando-o lançar a máxima confusão de baixo para cima, como é habitual numa crise económica fabricada. E lembre-se de que todas elas são e foram fabricadas durante os últimos cem anos.

Enquanto a incerteza em torno das taxas de juros (ocidentais) prevalecer, um grande ataque contra alguns campos de petróleo sauditas é um pretexto ideal para permitir que os preços do petróleo disparem. Pode ser uma “falsa bandeira” ideal, uma vitória para Washington: sustentar a produção de uma crise económica com um ataque aos principais campos de petróleo (talvez o primeiro de outros que estão para chegar); e um pretexto para culpar o Irão, outro bom motivo para entrar em guerra com Teerão. Mas será que o governo Trump ousará percorrer esse caminho?

No mundo de hoje, o progresso económico ainda é avaliado pela produção linear do PIB, o qual, por sua vez, depende, em grande parte, da energia disponível (e acessível). Uma vez que os danos ou a escassez de hidrocarbonetos sejam conhecidos ou previsíveis em termos de aumentos de preços do petróleo – especialistas afirmam que pode ultrapassar a barreira dos 100 dólares – as decisões sobre como lidar com as taxas de juros serão muito mais fáceis. Combine-se isso com as guerras comerciais em andamento, as guerras reais no Médio Oriente e em outros lugares, estrangulamentos económicos de direita e de certas “esquerdas”, acções para mudanças de regimes, questões sobre refugiados – e teremos o perfeito cenário para a próxima crise.

O show off climático

A tudo isso pode adicionar-se o enorme show off climático em redor do mundo, impulsionado por Soros; isto é, a feroz máquina de propaganda climática, a altamente mediatizada “Greta Crowd”, o movimento de greve escolar “Friday for Future” e muito mais, coincidindo com a Conferencia Especial da ONU sobre o clima.

Claro que tudo isto se relaciona com o objectivo específico de colectar enormes somas especiais de “impostos climáticos” a tudo o que se move e que os habituais “cientistas” do clima venham a associar com o aquecimento global ou com as “alterações climáticas” politicamente mais correctas.

O que encaixa bem com os ataques aos campos petrolíferos sauditas, pois a destruição ou interrupção dos fluxos de recursos energéticos vitais de hidrocarbonetos serve o cenário principal, provocando uma grande depressão económica mundial. E já todos sabemos que qualquer recessão-depressão traz mais miséria aos pobres e torna os ricos mais ricos.

Então, “cui bono”, quem tira proveito? Como sempre a elite militar e financeira das empresas ocidentais. Portanto, um ataque de falsa bandeira contra os campos de petróleo sauditas, com cumplicidade saudita, é claro, não é tão absurdo como possa imaginar-se à primeira vista. A operação de 14 de Setembro pode ser apenas a primeira de uma série de acções contra a indústria de petróleo do Médio Oriente – para fazer subir os preços – um sólido apoio à bem preparada crise financeira.

Trata-se de terrorismo económico de alto nível. O dólar poderá sobreviver por mais alguns anos enquanto as crianças do Iémen, da Síria, do Afeganistão, da Palestina, do Sudão, do Iraque, Sahara Ocidental, Iraque, Venezuela, Cuba e Nicarágua e outros países continuarão expostas à miséria provocada pelo homem.

Peter Koenig*, New Eastern Outlook/O Lado Oculto

*Economista e analista geopolítico. Especialista em ambiente e recursos aquíferos. Trabalhou durante 30 anos para o Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde nos domínios da água e do meio ambiente.