Foto de arquivo da Polícia Militar na favela Nova Holanda, no Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

FOTO DE ARQUIVO DA POLÍCIA MILITAR NA FAVELA NOVA HOLANDA, NO RIO DE JANEIRO. FOTO: TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL

 

Com o tema “Periferia, Racismo e Violência”, a pesquisa ouviu 1.826 brasileiros, entre 29 e 30 de junho, negros e não-negros com pelo menos 16 anos, de todas as classes sociais e regiões no país. Os dados foram relatados pelo fundador e presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles.

Segundo a instituição, somente 5% dos brasileiros acreditam que a polícia no Brasil não é racista, enquanto 52% acreditam que a polícia é muito racista.

Os dados mostram que 29% dos brasileiros adultos declararam ter sofrido algum tipo de constrangimento durante uma abordagem policial. Meirelles frisa que o percentual equivale a 49 milhões de brasileiros, “população maior do que metade dos países do mundo”.

 

54% dos pretos e 29% dos pardos creem que ‘a polícia é perigosa para pessoas como eu’

 

Se considerada a cor da pele, 54% dos pretos e 29% dos pardos ouvidos acreditam que “a polícia é perigosa para pessoas como eu”, enquanto apenas 17% das pessoas brancas concordam com a afirmação. Em relação ao poder aquisitivo, 69% das classes C, D e E também acreditam que a polícia é perigosa para pessoas como elas, e 37% dessas classes já sofreram algum tipo de constrangimento em uma abordagem policial.

De acordo com a pesquisa, 50% dos negros ouvidos afirmaram que já passaram por situações de constrangimento em uma abordagem policial, como desrespeito, agressão verbal, agressões físicas, extorsão, pedido de dinheiro ou de suborno. Se considerada a classe social, o levantamento atesta que os homens negros pobres estão mais expostos ao desrespeito policial do que os homens brancos pobres.

Primeiro, o estudo informa que 64% dos homens negros das classes C, D e E já foram abordados pela polícia.

Em relação aos abusos já sofridos, 42% dos homens negros de baixa renda já se sentiram desrespeitados quando abordados pela polícia, enquanto 34% dos homens brancos de baixa renda sentiram o mesmo. Além disso, 35% dos homens negros pobres já sofreram agressão verbal quando abordados pela polícia, contra 27% dos homens brancos na mesma condição social. Sobre as agressões físicas, 19% dos homens negros de baixa renda declararam já ter sido vítimas, contra 12% de homens brancos pobres.

“Na favela, enquanto o jovem branco ainda tem a cor do poder, o jovem negro tem a cor da pobreza. Os jovens negros da periferia sofrem mais do que os jovens brancos da periferia”, ressaltou o presidente do Instituto Locomotiva.

Segundo a pesquisa, 56% dos negros (considerando pretos e pardos) já sentiram medo ao ver ou interagir com policiais em situações cotidianas. Entre os pretos, esse número sobre para 67%.

Mas a diferença também é notória se apenas consideradas as classes sociais. Enquanto 50% dos entrevistados das classes C, D e E declaram sentir medo ao interagir com forças de segurança, apenas 23% das classes A e B relatam o mesmo.

Entre as situações que provocam mais medo na população mais pobre, estão: passar por policiais nas ruas, ver policiais próximos a sua casa, passar perto de barreiros ou de postos policiais, precisar da ajuda de um policial, ser abusado por policiais e passar pela porta giratória de um banco.

A abordagem policial pode traumatizar as pessoas. Segundo conclusão da pesquisa, as pessoas que passaram por abuso policial passam a ter muito mais medo das abordagens da polícia. É o que dizem 60% dos entrevistados que relatam ter sofrido desrespeito; 64% das vítimas de violência verbal; 62% dos que sofreram violência física; 61% dos alvos de pedido de dinheiro.

A violência física é a principal responsável pelo trauma. Os dados apontam que 62% passam a ter medo da abordagem; 60% têm medo de passar por policiais; 59% relatam medo de precisar da ajuda de um policial; 59% dizem ter medo de ver a polícia perto de sua casa; 58% declararam sentir medo ao passar por barreiros. O trauma pode chegar a 4 vezes mais do que o relatado por pessoas que não sofreram agressão física policial, diz o levantamento.

A pesquisa é publicada pouco mais de um mês depois do assassinato de George Floyd, homem negro de 40 anos que morreu nos Estados Unidos após ser asfixiado por um policial branco chamado Derek Chauvin. O caso motivou protestos antirracistas em todo o país norte-americano. No Brasil, também ocorreram manifestações após o escândalo tomar os noticiários.

Conforme a pesquisa, 91% dos brasileiros souberam do caso George Floyd, 56% afirmam reconhecer casos similares no Brasil, e 83% dizem acreditar que casos como esse ocorrem com frequência.

O rapper e compositor Rappin Hood estava presente na transmissão da Unesco Brasil e contou que, aos 17 anos, voltava de um evento na Barra Funda, bairro de São Paulo, e presenciou a morte de um homem negro no metrô. Depois do caso, sua mãe quis que largasse o rap, mas ele diz ter visto ainda mais um motivo para seguir em luta.

“Eu tenho um garoto de 18 anos. Tenho medo de deixar o meu garoto ir para a rua, quando ele vai sair sozinho, eu sinto medo”, diz. “Será que realmente somos baderneiros? Somos arruaceiros? Vivemos um momento em que a polícia vai abordar uma pessoa num bairro de classe alta, e o morador diz: eu sou rico, aqui você não arruma nada. Enquanto, na periferia, o genocídio da juventude negra continua. Então, essa é a pergunta: quando vamos mudar a polícia brasileira?”, indagou.

Carta Capital