Entidade registra 223 episódios em intervalo de 19 meses, com diferentes tipos de violações.
Felipe Mendes
Um levantamento da Pastoral Carcerária Nacional (PCr) revelou aumento no número de casos de tortura em unidades prisionais do país. Entre janeiro de 2021 e julho de 2022, foram contabilizados 223 casos, uma alta de 37,6% na comparação com o mesmo intervalo de tempo (19 meses) entre janeiro de 2019 e julho de 2020.
Os dados mais recentes constam do relatório “Vozes e Dados da Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa”, que será apresentado nesta terça-feira (17) em live no canal da Pastoral no YouTube. O lançamento começa às 19h30.
Entre os principais casos listados pelo relatório estão negligência na prestação de assistência material (123 registros); agressões físicas (116); negligência na prestação de assistência à saúde (106); tratamento humilhante ou degradante (81); e violações contra familiares de pessoas presas, incluindo negação de visita (41). A soma dos registros é maior que o número total de episódios porque em muitos casos há mais de uma violação.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a advogada Mayra Balan, integrante da Pastoral Carcerária Nacional, afirma que os resultados do levantamento não surpreendem. Para ela, o punitivismo e o extermínio da população preta e pobre – maioria entre os encarcerados – se tornaram política de Estado.
Para a advogada, o número relevante de pessoas brancas e de classe média alta presas após a barbárie bolsonarista em Brasília no último dia 8 pode representar uma possibilidade de debate sobre as condições das pessoas encarceradas no Brasil.
“É sempre importante pensar quem é preso, quem fica preso, quem é alvo do encarceramento em massa hoje, que é a população preta, a população pobre, a população periférica. Esses episódios nos provocam a pensar, trazem uma reflexão para a sociedade, mas é importante ver quem está sempre ali”, destaca.
Vidas descartadas
Em todos os casos em que foram verificadas violações, a PCr entrou em contato com a administração das unidades em busca de respostas. Na grande maioria dos casos em que houve retorno, a principal medida adotada foi a instauração de procedimentos internos, o que poderia ser considerado um primeiro passo. Entretanto, são poucas as ações efetivas tomadas a partir daí.
“Há uma certa resistência por parte dos membros dos poderes de nomearem as violações de direitos como tortura. Sem a nomeação sumária, o valor dado à denúncia é deliberadamente esvaziado. Há, no bojo estrutural da racionalidade do sistema de justiça, determinadas dores que são invisibilizadas, determinadas vozes que são silenciadas e determinadas vidas que são descartadas”, cita um trecho do relatório.
A mudança de governo, com a saída de Jair Bolsonaro (PL) da presidência, representa uma oportunidade de avanços na garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade. A PCr trabalha com o ideal do desencarceramento, já que considera, por filosofia, que “qualquer lugar de aprisionamento é um local de tortura, independente das condições”.
Lançada em 2013 em parceria com outras entidades, a Agenda Nacional pelo Desencarceramento norteia os princípios da Pastoral. Mayra Balan afirma que há, agora, espaço para lutar, por exemplo, por revisão da política de drogas e avançar na discussão sobre a desmilitarização das polícias, pontos-chave da Agenda.
“Finalmente a gente tem um governo que valoriza os direitos humanos, que fala que essas pessoas são importantes. Nesses últimos anos, nesses quatro anos, a gente lutava para não recuar. De agora em diante, acho que a gente vai conseguir lutar para avançar um pouco dentro dessa política de desencarceramento”, conclui.