A guerra de agressão contra o Iraque soberano iniciou-se há 16 anos e ainda se prolonga centenas de milhares de mortos depois, num país destruído, dividido e ao qual são saqueadas as principais riquezas. Deixamos o testemunho de um jornalista norte-americano ameaçado, marginalizado e silenciado por ter provado que a guerra se baseou em mentiras pelas quais ninguém pagou, desde militares, dirigentes políticos à comunicação social.

 

A reunião dos mentirosos nas Lajes, onde ficou assente lançar a guerra criminosa e que ainda não pagaram por isso

 

Completam-se agora 16 anos sobre a invasão e destruição do Iraque, um crime de proporções históricas cometido pelos Estados Unidos e o Reino Unido. Uma agressão tão flagrante como a da invasão da Polónia pela Alemanha nazi, em 1939.

Grande número de iraquianos foram mortos entre 2003 e 2007. Os sistemas de água e de esgotos do país foram bombardeados e arrasados, provocando uma epidemia generalizada de cólera. A ONU calcula que 500 mil crianças iraquianas morreram só em consequência dessa situação. Madeleine Albright, então secretária de Estado norte-americana, disse que “era um preço que valia a pena pagar”.

Não tanto, porém, para os 4424 soldados norte-americanos mortos no Iraque ou para os 31952 feridos, muitos deles com devastadoras lesões cerebrais e neurológicas. Nem para os contribuintes norte-americanos, que desembolsaram mais de um bilião de dólares para essa guerra fracassada e que ainda estão a pagar a factura – que ficou escondida na dívida soberana.

Um velho aliado que foi sacrificado

Em 2003, o Iraque era a nação árabe mais avançada nos campos da saúde social, da educação, em poder militar e desenvolvimento industrial. Mas era dirigida por um megalomaníaco, Saddam Hussein, que fora ajudado a chegar ao poder, e depois sustentado na sua longa guerra contra o Irão, pelos Estados Unidos, o Reino Unido e os seus sátrapas árabes.

Quando Saddam Hussein se tornou demasiado poderoso, Washington atraiu-o para invadir o Koweit, outra satrapia norte-americana e britânica do petróleo. Altos gritos e uma doutrina belicista ouviram-se imediatamente em Washington e Londres bradando que o Iraque tinha armas nucleares secretas que ameaçavam o mundo inteiro. A guerra era urgente e necessária, trovejou a propaganda norte-americana e britânica.

Como há muitos anos cobria o Iraque, eu sabia que o país não tinha armas nucleares nem sistemas de mísseis de médio ou longo alcance. O que tinha era um laboratório químico/biológico em Salman Park, que contava com técnicos britânicos que produziam toxinas letais para usar contra o Irão. Descobri esta operação secreta e revelei-a. Enquanto isso, os idiotas iraquianos iam ameaçando enforcar-me como um espião israelita.

Senti, portanto, desgosto e consternação ao verificar que os Estados Unidos e o Reino Unido criaram enormes mentiras panfletárias contra o Iraque enquanto alguns de nós insistíamos em que Bagdade não possuía armas nucleares.

Quase todos os media dos Estados Unidos e do Reino Unido actuaram então como porta-vozes da guerra de George Bush/Tony Blair contra o Iraque, recorrendo a mentiras notórias para fazer subir a febre belicista. Os nossos media, supostamente tribunas da democracia, tornaram-se fábricas de mentiras.

Jornalistas vedetas e mentirosos

O New York Times comandou a operação, em conjunto com as três principais cadeias de televisão – ABC, CBS e NBC, acrescidas da CNN. Eu estava no Iraque quando a correspondente-estrela Judith Miller passou a agir como uma agente chave da campanha pela guerra. O mesmo aconteceu com o grupo britânico de Ruppert Murdoch e a Fox News.

Quando a BBC tentou questionar a torrente de mentiras sobre o Iraque, foi esmagada por Tony Blair. Um destacado especialista nuclear britânico que pôs em causa as mentiras sobre o tema foi assassinado. O Iraque foi poluído com urânio empobrecido utilizado pelos Estados Unidos.

Jornalistas como eu foram intimidados e marginalizados. Fui despedido por um importante jornal norte-americano, uma grande cadeia de TV canadiana e pela CNN, onde me tornara um comentador regular. Disseram-me que a Casa Branca de Bush dera ordens: “Corram com Margolis”. O meu pecado: insistir que o Iraque não tinha armas nucleares e não ameaçava os Estados Unidos. Os acontecimentos tornaram-se tão absurdos como a história entretanto publicada e segundo a qual Saddam possuía “drones da morte” prontos para atacar os Estados Unidos.

Entre os media norte-americanos, apenas a cadeia McClathy e o Christian Science Monitor fizeram relatos honestos da guerra. Quase todos os restantes comentadores de TV dos Estados Unidos apoiaram a guerra contra o Iraque. A maioria ainda lá está, exigindo agora a guerra contra o Irão.

O petróleo e Israel

Quem estava por detrás da guerra? Uma combinação entre os grandes interesses petrolíferos, que queriam as vastas reservas iraquianas, e o lobby israelita, que ambicionava ver o Iraque destruído pelo poder dos Estados Unidos.

O Pentágono foi tomado por falcões neoconservadores: Wolfowitz, Feith, Rumsfeld. George W. Bush, um tolo ignorante, foi colocado nas mãos do vice-presidente Dick Cheney, um megalomaníaco adepto da guerra. A CIA actuou em conformidade. Até mesmo o respeitado general Colin Powell fez figura de idiota perante a ONU e o mundo alegando que o Iraque tinha armas de destruição massiva escondidas. Se possuía armas químicas, então haveria recibos confirmando que eram oriundas dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Ninguém nos Estados Unidos ou no Reino Unido jamais enfrentou um julgamento por causa da guerra, que matou centenas de milhares de pessoas. Os media mentirosos escaparam a qualquer crítica. Quanto aos políticos mentirosos que provocaram esta estratégia, deitaram culpas nos serviços de espionagem e na má-sorte. Os poucos que se opuseram à guerra de agressão continuam marginalizados ou silenciados.

Eric Margolis, Strategic Culture

O Lado Oculto