Uma Comissão Independente criada no âmbito da Comissão dos Direitos Humanos da ONU apurou que existem “fundamentos razoáveis” para concluir que o exército de Israel “cometeu crimes de guerra” contra a população da Faixa de Gaza ao reprimir as manifestações pacíficas realizadas todas as sextas-feiras, desde 30 de Março de 2018, no âmbito da “ Grande Marcha do Regresso”.

 

Um inferno de fogo sobre manifestantes palestinianos

 

 

Soldados israelitas “cometeram violações dos direitos humanos e das leis humanitárias”, algumas das quais “podem constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade e devem ser imediatamente investigadas por Israel”, declarou o presidente da Comissão, o argentino Santiago Canton, durante a apresentação do relatório em Genebra, no dia 28 de Fevereiro.
O relatório é o resultado da investigação efectuada até 31 de Dezembro último pela comissão independente presidida por Canton e que foi mandatada para o efeito em Maio do ano passado. Os outros membros da comissão são Sara Hossain, do Bangladesh, e Betty Murungi, do Quénia.

Nos termos do documento (aqui resumido), mais de seis mil manifestantes desarmados foram atingidos por atiradores militares (“snipers”), semana após semana, quando protestavam junto da cerca que veda a Faixa de Gaza. O apuramento dos factos revela que 189 palestinianos foram mortos durante o período de investigação, 183 dos quais vítimas de munições reais. A repressão israelita assassinou homens, mulheres e pelo menos 35 crianças. Entre as vítimas encontram-se socorristas paramédicos, claramente identificados como tal, e dois jornalistas, alvejados mesmo sob a palavra “Press” inscrita nos coletes que envergavam.

De acordo com os dados da comissão, 6106 palestinianos foram feridos com balas reais durante os protestos; mais 3098 foram atingidos por balas de fragmentação, balas metálicas com invólucros de borracha ou granadas de gases lacrimogénios. Quatro soldados israelitas ficaram feridos e um morreu na sequência de acontecimentos ocorridos fora dos locais de protesto.

“Não pode haver justificação…”

“Não pode haver justificação para matar jornalistas, médicos ou pessoas que não representam ameaça de morte ou de danos graves para os outros em redor”, declarou Sara Hossain, membro da comissão. “Particularmente alarmante é o facto de terem sido alvejadas crianças e pessoas com deficiências; e que muitos jovens tenham ficado incapacitados para sempre ou tenham sofrido amputações, o que aconteceu a 20 crianças”, acrescentou.

Os investigadores da Comissão de Direitos Humanos da ONU consideram que estes factos podem “constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade. Os membros da comissão declararam-se particularmente chocados pelas imagens mostrando um homem com deficiência, em cadeira de rodas, ter sido fuzilado à distância por snipers.

Apesar de Israel alegar que os manifestantes praticaram “actividades terroristas”, a comissão considera que “não obstante alguns actos de violência significativa, os protestos foram cívicos e as manifestações não podem considerar-se operações de combate ou campanhas militares”.

Israel não respondeu

A comissão realizou 325 entrevistas com vítimas, testemunhas e fontes, além de ter reunido e investigado mais de oito mil documentos. A informação relevante” será mantida “em ficheiros confidenciais, de modo a estar acessível aos mecanismos de justiça internacional”, afirmou Betty Murungi, membro da comissão. “O Tribunal Penal Internacional (TPI) já está a par da situação”, disse.

As autoridades de Israel, por seu lado, não responderam aos repetidos pedidos da comissão para fornecer informações ou para dar aos seus membros acesso a Israel e aos Territórios Palestinianos Ocupados.

“Agora é responsabilidade de Israel investigar cada caso de morte ou ferimentos relacionados com a Grande Marcha do Regresso, rapidamente, de modo independente e imparcial, de acordo com os padrões internacionais”, sublinhou o presidente da comissão, Santiago Canton.

Além de accionar o Tribunal Penal Internacional, a comissão considera que os países membros da ONU deverão “encarar sanções contra os israelitas identificados como tendo responsabilidade” no massacre. Sugere, designadamente, o congelamento dos activos dos responsáveis identificados ou ainda a sua proibição de entrada nos Estados membros das Nações Unidas

“É necessário que os Estados associados à Convenções de Genebra ou ao Estatuto de Roma (que deu origem ao TPI) cumpram os seus deveres e procedam à detenção dos indivíduos suspeitos de terem consumado crimes relevantes contra o direito internacional ou deram ordens nesse sentido, de modo a que sejam julgados ou extraditados”, lê-se no relatório da comissão.

Sylvie Moreira, Genebra

O Lado Oculto