Essa é a situação: há alguns meses, um presidente que perdeu a eleição no voto popular introduziu uma política de “tolerância zero” para imigrantes sem documentação. Para implementá-la, seu procurador-geral – um homem com uma história conhecida de racismo – começou a deter e processar todos os imigrantes e pessoas buscando asilo que cruzaram ilegalmente a fronteira sudoeste norte-americana. Agentes armados separaram os pais imigrantes de seus filhos, alguns com apenas três meses de idade, e os reclassificaram como menores desacompanhados. As crianças foram colocadas em gaiolas, lares adotivos, acampamentos de tendas e centros de detenção. Alguns dos pais foram deportados sem seus filhos. Outros foram pressionados a desistir de seus pedidos de asilo em troca de ter seus filhos de volta. Pelo menos um pai nessa situação cometeu suicídio. As autoridades não mantiveram registros adequados sobre as crianças que levaram e, em alguns casos, até as informações que poderiam possibilitar a reunificação familiar foram destruídas. E sabem a pior parte? Este é apenas um teste.

A imigração é uma questão central para Donald Trump: foi o que o elegeu em 2016 e o que ele espera que o reeleja em 2020. Enquanto seus eleitores continuarem reagindo positivamente às suas palavras e ações nessa questão, ele não vai recuar. É por isso que ele mente sobre as taxas de criminalidade entre os imigrantes, usa termos odiosos como “animais” e “não tão inocentes” ao se referir a crianças e acaba com as distinções entre as gangues violentas e as pessoas que delas buscam proteção. Sua intenção sempre foi deter a migração de mestiços e negros para os Estados Unidos, enquanto encorajava os recém-chegados de “lugares como a Noruega”.

Perante algo tão moralmente repugnante quanto o sequestro em massa e a prisão de crianças, é tentador pensar que essa crise não pode durar. Afinal, a cobertura da mídia e o clamor popular forçaram o presidente a assinar uma ordem executiva rescindindo essa política. Um juiz federal ordenou que o governo reunisse o quanto antes as famílias separadas, enquanto ONGs e cidadãos comuns se organizaram para pagar a fiança de alguns dos pais detidos. Mas o fato é que cerca de 2.500 crianças ainda seguem aguardando a reunificação com seus pais. Bebês estão sendo levados para tribunais de imigração sem representação legal. Em abrigos de imigrantes, crianças mais velhas são orientadas a não abraçar seus irmãos, a não chorar e a não escrever cartas em seus dormitórios. Elas são sedadas caso “se comportem mal” e seu trauma aumenta a cada dia que passa.

E a administração, com o passar do tempo, vai ganhando novas chances de ajustar sua política até que ela se torne viável. Embora Trump tenha formalmente acabado com novas separações familiares, ele foi muito explícito ao afirmar que pretende manter sua política de tolerância zero. Isso significa que todas as pessoas que cruzarem a fronteira sudoeste norte-americana sem passar pelo controle de imigração continuarão a ser processadas, independentemente de suas circunstâncias individuais. A secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, disse aos refugiados que eles deveriam se apresentar apenas nos postos de fronteira designados, mas os agentes de imigração em alguns desses locais estão mandando embora quem busca asilo. Ao mesmo tempo, o Procurador Geral Jeff Sessions impôs novas limitações à qualificação de quem busca asilo. O resultado é uma política extremamente punitiva e que coloca milhares de migrantes e refugiados em centros de detenção. A separação da família era apenas uma das armas de um vasto arsenal e, agora que foi posta de lado, o governo quer substituí-la pela detenção indefinida da família inteira.

Já vimos essa estratégia gradual antes em relação ao banimento muçulmano. A primeira versão, que entrou em vigor em janeiro de 2017, teve como alvo sete países muçulmanos e levou ao caos absoluto nos aeroportos, seguido por protestos em massa e obstáculos legais. Assim, o governo modificou sua proposta inicial e abriu algumas exceções, como em relação aos portadores de green card, apresentando um segundo projeto de banimento. Quando essa segunda versão também foi contestada no tribunal, o presidente assinou uma ordem executiva que proibia visitantes norte-coreanos e alguns oficiais do governo venezuelano de entrar no país, junto com cidadãos da Síria, Irã, Líbia, Somália e Iêmen. Foi esta versão final que o Supremo Tribunal confirmou em junho deste ano.

Em outras palavras, uma proposta que parecia completamente insana quando Trump era um candidato (“A proibição total e completa da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos”) tornou-se aceitável depois de alguns testes e com Trump encastelado na Casa Branca. Bastaram algumas dezenas de visitantes da Coreia do Norte e da Venezuela para que a Corte de Roberts decidisse que uma política que afeta 135 milhões de pessoas de cinco países muçulmanos era “neutra em relação à religião”. Agora que o princípio foi estabelecido, Trump pode adicionar qualquer país muçulmano que ele queira à lista. Voilà – banimento muçulmano.

Não há razão para se esperar que com a detenção familiar indefinida (isto é, o aprisionamento de imigrantes) seja diferente. O governo já pediu ao Pentágono que monte casas em bases militares para 32 mil imigrantes, dos quais 20 mil seriam crianças. Que o aprisionamento de imigrantes é imoral, isso é bastante claro. Que é extremamente caro e provavelmente ineficaz será revelado em breve. Mas somente o fato disso estar sendo discutido sugere uma desconsideração pela vida dos que não são brancos que não é estranha à sangrenta história do país, nem mesmo ao seu passado recente.

A questão é: o que cada um de nós, de maneira limitada, faremos a respeito disso? Bem, precisamos lutar em mais de uma frente. Há uma vaga no Supremo Tribunal Federal cuja confirmação não é de todo certa. Há o esforço para virar o Congresso em novembro. Há a luta para recuperar o Legislativo. Não é suficiente assinar cheques ou participar de marchas. Temos que trabalhar de forma mais concreta – bater de porta em porta, fazer ligações e estar mais próximos uns dos outros. Se Trump quiser impor tolerância zero, temos que reagir com tolerância zero também.

Laila Lalami é a autora, mais recentemente, de The Moor’s Account, finalista do Prêmio Pulitzer de ficção. Ela escreve a coluna “Between the Lines” para o The Nation e é professora de escrita criativa na Universidade da Califórnia, Riverside.

Tradução por Solange Reis, OPEU

*Artigo originalmente publicado em 20/07/2018, em https://www.thenation.com/article/trump-administration-normalizing-immigrant-internment-camps/