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Sanaa Seif, irmã de Alaa Abdelfattah, prisioneiro em greve de fome nas cadeias do Egito, realiza coletiva de imprensa durante a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27), em Sharm el-Sheikh, Egito, 8 de novembro de 2022 [Sean Gallup/Getty Images]

 

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Quatro dias atrás, Alaa confirmou sua decisão de deixar de beber água, ao escalar sua greve de fome que já dura mais de 200 dias. A decisão coincide com a abertura da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27), no balneário egípcio de Sharm el-Sheikh. Trata-se do último trunfo de Alaa contra uma ditadura encabeçada por seu xará, o general Abdel Fattah el-Sisi. Seu corpo já está debilitado. Sua esperança é atrair atenção de alguém com influência sobre o regime que respeite ao menos um ínfimo da dignidade humana. Seu destino, contudo, permanece incerto.

Centenas de quilômetros de distância de sua cela, dezenas de jornalistas da imprensa ocidental se reuniram para cobrir uma coletiva na qual uma jovem egípcia falou de seu irmão em greve de fome. A jovem demandou que os líderes globais presentes na COP27 pressionem Sisi para salvar a vida de seu irmão. A jovem é Sanaa Abdelfattah, irmã de Alaa.

Sanaa e sua outra irmã Mona lideram uma campanha internacional há meses, em solidariedade a seu irmão em custódia. A campanha abarcou um protesto de dias em frente à chancelaria do Reino Unido em Londres, durante o qual ambas conversaram com a imprensa britânica sobre os riscos vivenciados por seu irmão devido à persistente greve de fome. A família se reuniu com o Secretaria de Relações Exteriores James Cleverly dois dias antes do início da COP27. Na ocasião, os familiares receberam uma carta do novo premiê Rishi Sunak na qual reafirmou sua intenção de levar a questão a Sisi, para obter a soltura imediata de Alaa Abdelfattah.

Seu caso ganhou holofotes às vésperas do evento. Trata-se de um pesadelo de relações públicas para o regime. Sisi mal pôde encontrar-se com qualquer emissário ocidental sem ser requerido que soltasse Alaa Abdelfattah, que detém cidadania britânica. A questão foi referida por Sunak; novamente, pelo presidente francês Emmanuel Macron e pelo chanceler alemão Olaf Scholz. O Ministro de Relações Exteriores do Egito, Sameh Shukri, tampouco foi capaz de fugir da matéria durante uma entrevista concedida a Hadley Gamble, correspondente da rede CNBC. A pergunta voltou a assombrá-lo durante entrevista a Becky Anderson, âncora da CNN.

Em resposta, Sisi recorreu a esforços um tanto atrapalhados para tentar se defender. O general usou seus lacaios na imprensa para difamar Alaa como “criminosos condenado”, incitar dúvidas a sua greve de fome e negar que sua prisão seja associada à liberdade de expressão. Dentre os capangas de Sisi está o jornalista Ahmad Musa, que insiste que a imprensa ocidental denuncia a prisão de Alaa Abdelfattah somente para macular a reputação do Egito. Musa chegou ao ponto de descrever as demandas de Sunak e outros líderes como “ingerência” em assuntos internos.

 

 

 

Para os repórtes que cobrem a COP27 e não conhecem Musa, trata-se de um dos parceiros mais íntimos do regime militar, conhecido por sua associação com as agências de repressão no Cairo. Em seu programa ao vivo, vinculado diariamente na televisão nacional, Musa incitou crimes de assassinato, além de propagar discursos de ódio e acusações de traição e terrorismo a críticos e opositores de Sisi.

Não contentes com os pretextos de Musa e outros colaboracionistas na imprensa, congressistas egípcios e membros do chamado Conselho de Direitos Humanos – órgão montado por Sisi, após dura pressão internacional – e do Conselho Nacional de Mulheres invadiram sessões do evento global para agredir os familiares de Alaa e negar aos gritos a existência de prisioneiros políticos no país.

O governo egípcio queria que a cúpula climática fosse uma mera oportunidade publicitária para encobrir seus crimes e seu histórico hediondo de direitos humanos. Sisi parece surpreso em ver que a COP27 logo se tornou a denúncia de sucessivos escândalos, encabeçada pelo caso de Alaa Abdelfattah e outros prisioneiros políticos. O Egito contemporâneo aprisiona 60 mil pessoas por suas opiniões legítimas, como é o caso de Alaa Abdelfattah, a maioria encarcerada após o golpe militar comandado pelo então Ministro da Defesa Sisi contra o governo eleito, em 2013.

A questão não começa nem termina com Alaa; não é o primeiro prisioneiro político tampouco o último. O regime mantém sua repressão e perseguição contra seus cidadãos comuns. A fachada de um estado aberto, benévolo e transparente, que respeita os direitos humanos, cai por terra perante os 200 cidadãos egípcios presos nos dias recentes, a despeito da cúpula global radicada em Sharm el-Sheikh.

O governo egípcio pode até se curvar às pressões externas e libertar Alaa Abdelfattah, devido a seu passaporte britânico. A questão, contudo, não termina com sua soltura. Libertá-lo deve ser o ponto de partida por uma campanha abrangente para que Sisi liberte os milhares de cidadãos anônimos que perecem dia após dia nas cadeias do país, cujo único crime é opor-se ao governo.

O mundo se mobiliza em nome do cidadão anglo-egípcio Alaa Abdelfattah. Porém, deve manter sua pressão para salvar a vida dos milhares de egípcios que não têm a mesma sorte de carregar um passaporte estrangeiro. Alaa Abdelfattah e 60 mil presos cantam em uníssono: “Não fomos derrotados ainda”. Não podemos desapontá-los.

 

MEMO