Na passada quinta-feira, a polícia cubana despejou de uma casa jovens que faziam greve da fome contra a prisão de um rapper. Ao longo do dia, foram-se concentrando pessoas junto ao ministério e trinta representantes reuniram com o vice-ministro durante várias horas.
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Cuba, protesto contra o despejo dos ativistas em grevistas da fome, Havana 27 e 28 de novembro de 2020 – Foto de Ernesto Mastrascusa/Epa/Lusa
Protesto contra o despejo dos ativistas e grevistas da fome, Havana 27 e 28 de novembro de 2020 – Foto de Ernesto Mastrascusa/Epa/Lusa

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Não é habitual as autoridades cubanas dialogarem com manifestantes e ainda menos discutirem repressão e liberdade de expressão com quem protesta. Pelo contrário, o procedimento mais comum é a repressão do protesto. E ainda mais raro é estabelecer-se algum acordo entre as autoridades e quem protesta. Porém, o país vive uma grave crise económica e os métodos do passado parece já não chegarem para conter os protestos sociais. O regime procura mesmo tomar novas medidas políticas e económicas1.

Greve da fome pela libertação do rapper Denis Solís

Ao amanhecer2 da passada quinta-feira, 27 de novembro de 2020, a polícia invadiu a sede do Movimento San Isidro (MSI) e despejou 14 artistas, que faziam um protesto exigindo a libertação do rapper Denis Solís. Seis desses artistas estavam em greve da fome. Denis Solís foi preso a 9 de novembro e condenado a oito meses de prisão por desobediência à autoridade.

A polícia justificou o despejo e o encerramento da sede do MSI com a pandemia, e com a necessidade de combater o risco de propagação da covid-19. Assim, logo após os despejos fizeram testes às pessoas detidas e ordenaram-lhes que regressassem às suas casas. Dois desses artistas recusaram-se a ir para casa e foram novamente detidos: Luis Manuel Otero Alcántara de 32 anos, artista plástico, e Anamely Ramos, de 35. Luis Manuel Otero esteve preso durante 12 dias em março passado, acusado de ter usado a bandeira numa ação considerada degradante pelas autoridades do país.3 Entre as pessoas despejadas, encontrava-se também o rapper Maykel Castillo, que foi condenado em 2018 a um ano de prisão por agressão à autoridade, assim como o escritor e jornalista cubano Carlos Manuel Álvarez, colaborador do “The Washington Post” e do “The New York Times”.

Diálogo no Ministério da Cultura

Ao longo da quinta-feira, foram-se juntando pessoas junto ao ministério, para protestar contra a ação da polícia de despejo e encerramento da sede do MSI, tendo mesmo chegado a mais de 300 pessoas, ao longo da noite.4

Uma delegação de trinta pessoas foi escolhida entre os manifestantes, foi recebida no ministério da Cultura e esteve em reunião ao longo de quatro horas, durante a madrugada da passada sexta-feira, 28 de novembro, com uma delegação governamental chefiada pelo vice-ministro da Cultura, Fernando Rojas.

A poeta Katherine Bisquet deu a conhecer às pessoas concentradas os principais pontos5 a que tinham chegado a acordo com a delegação do Governo:

– abertura de um canal de diálogo entre o Governo e as instituições culturais;

– o ministério da Cultura interessar-se-á urgentemente com a situação de Denis Solís e também com a de Luis Manuel Otero Alcántara;

– será organizada una agenda de trabalho múltiplo com agendas de temas pelas duas partes;

– revisão da declaração da Asociación Hermanos Saíz, de 24 de novembro, que começa por afirmar: “Nos últimos dias a contra-revolução, por meio do autodenominado Movimento San Isidro, tem estado a fazer exigências ao governo cubano”;

– “poderemos reunirmo-nos em espaços independentes sem ser molestados”, algo que Tania Brugera qualificou de “trégua” entre criadores independentes e governo.

O dramaturgo Yunior García assegurou que as pessoas presentes no protesto continuariam a estar em ligação, para decidir quem devem ser os seus representantes nos encontros com o executivo. Ficou também estipulada a manutenção do debate nas redes sociais, bem como a divulgação de um comunicado da delegação.

Na delegação dos artistas6 participaram, entre outros, o cineasta Fernando Pérez e o ator Jorge Perugorría, o dramaturgo Yunior García Aguilera, a poeta Katherine Bisquet (miembro del MSI), a artista plástica e ativista opositora Tania Bruguera.

Notas:

1 “Cuba sur la route du capitalisme autoritaire ? À propos du nouveau virage économique”, http://www.contretemps.eu/cuba-virage-economique-capitalisme-monnaie-bureaucratie/(link is external)

4 Ler a notícia “Artistas cubanos que se manifestaron en el Ministerio de Cultura logran primeros acuerdos con el gobierno”, https://oncubanews.com/cuba/artistas-e-intelectuales-cubanos-que-se-manifestaron-en-el-ministerio-de-cultura-logran-primeros-acuerdos-con-el-gobierno/(link is external)

5 Idem

6 Idem

esquerda.net