São 144 denúncias de violações, como torturas e assassinatos, segundo informe preliminar da delegação internacional.

 

Missão de Solidariedade Internacional e Direitos Humanos realiza visita ao Peru de 9 a 13 de fevereiro para verificar denúncias de violações aos direitos humanos – Mision DDHH

Michele de Mello

Uma Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos concluiu nesta segunda-feira (13) sua visita ao Peru. O grupo formado por 17 defensores de direitos humanos e parlamentares argentinos acompanhou as manifestações, encontrou-se com vítimas e representantes de diversas organizações da sociedade civil, como sindicatos e veículos de imprensa, desde o dia 7 de fevereiro.

“O sofrimento peruano nos exige o máximo compromisso com as denúncias das violações aos direitos humanos que se vivem aqui”, disse uma das representantes da missão, Marianela Navarro.

Para a delegação, essa visita foi o que garantiu a coleta das denúncias das vítimas, uma vez que as instituições estariam “acobertando” as violações cometidas pela força pública.

“É um caso de lesa humanidade”, disse o deputado argentino Juan Marino (Frente de Todos). O congressista denunciou que as autoridades não responderam ao pedido formal da Missão de visitar o ex-presidente Pedro Castillo, preso desde 7 de dezembro numa cárcere de segurança máxima, na região metropolitana de Lima.

“Não há instância do Estado que possa resguardar os direitos básicos, por isso há muito medo das vítimas para realizar as denúncias. Até mesmo os advogados populares são impedidos de exercer sua profissão e defender os manifestantes”, complementa Marianela Navarro, representante da missão internacional.

Além da capital, Lima, a missão internacional esteve em Cusco, Juliaca, Ayacucho, Ica, e visitou zonas que permanecem sob intervenção militar no sul do país.

A missão recebeu 144 denúncias, incluindo agressões físicas, tortura e disparos com arma de fogo. Para a missão, Julica pode ser considerada o “epicentro” da repressão com 20 homicídios. Uma das histórias detalha o homicídio de Yamilet Nataly Aroquipa Hanco, uma jovem de apenas 17 anos.

Os pais de Yamilet, Demetrio Aroquipa e Dominga Hanco, contam que saíram para fazer compras no mercado central de Juliaca. No entanto, desviaram o caminho por conta dos protestos e quando passaram por policiais que bloqueavam avenidas próximas ao aeroporto, Yamilet recebeu um disparo no estômago. Segundo os pais, a bala era de calibre 9 mm, munição utilizada apenas pela polícia peruana, e o disparo atravessou o tórax da jovem.

“Exigimos justiça e que cada pessoa tenha seu direito de transitar pelas ruas livremente”, diz Demetrio Aroquipa. “Fizemos a denúncia no Ministério Público, mas até hoje não obtivemos nenhuma resposta”, denuncia o pai da vítima.

“Isso mostra que os assassinados podem ser de qualquer pessoa que se encontre próximo à zona de mobilização”, diz Gonzalo Armúa, outro membro da delegação de solidariedade.

De acordo com os relatos, 83% das violações foram fruto da repressão policial e 10,7% de ação das Forças Armadas. Em algumas regiões ainda há denúncias de presença de paramilitares.

“Há um protagonismo da Polícia muito nítido e em alguns lugares [contam] com apoio das Forças Armadas para reprimir”, relatou o deputado argentino Juan Marino, em coletiva de imprensa da missão de solidariedade.

A delegação afirma que as vítimas têm dificuldade em conseguir atendimento nos hospitais por serem estigmatizadas e que não foram procuradas por organismos do Estado para apurar os casos de homicídios.

 

Missão de Solidariedade Internacional e Direitos Humanos em visita a cidade de Juliaca, província peruana de Puno / Mision DDHH

 

O grupo também reuniu-se com parlamentares peruanos para denunciar a situação encontrada no interior do país.

Ainda em janeiro, a presidenta Dina Boluarte decretou estado de emergência nas províncias de Cusco, Puno, Tacna, Apurímac, Arequipa e Moquegua, estabelecendo intervenção militar e toque de recolher das 20h às 4h.

Apurimac e Cusco estão entre as províncias com maiores índices de pobreza e trabalho informal. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI), de 36% a 40% da população das províncias vive em situação de pobreza, superando a média nacional, que foi de 25,95% em 2021.

Já no quesito empregos, cerca de 90,6% dos peruanos que vivem em Apurímac, e 90,4% dos residentes em Puno, estão na informalidade, novamente superando o índice nacional de 74% de trabalhadores que se sustentam com serviços temporários e sem registro laboral.

 

                  Repressão policial já deixou 69 mortos desde o início das manifestações no Peru, em dezembro de 2022 / Diego Ramos /AFP

 

Protestos

Os peruanos continuam se mobilizando contra o governo de Dina Boluarte. De acordo com o ministério do Interior, ainda há vias bloqueadas em 12 regiões do país.

Em mais de dois meses de protestos, já se somam 69 mortos e milhares de feridos, segundo a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos. De acordo com o levantamento publicado em 26 de janeiro, quando se completaram 50 dias de manifestações, houve ao menos 46 execuções sumárias, casos de estupro dentro de delegacias e prisões arbitrárias.

Cerca de 76% dos peruanos defendem que a renúncia de Dina Boluarte e a convocatória de eleições gerais em 2023 seriam a melhor saída para a crise política no país, segundo levantamento da empresas Ipsos. Enquanto isso, 22% respaldam a realização do processo eleitoral em abril de 2024. O estudo foi realizado entre 9 e 10 de fevereiro com 1.210 entrevistados.

 

 

                        Familiares de vítimas realizam protesto por verdade e justiça em Cusco, Peru / Ivan Flores / AFP

 

Outras reformas

Em duas ocasiões, o Congresso do Peru negou o adiantamento das eleições gerais para 2023. A presidenta Dina Boluarte insiste que não irá renunciar, mas pretende realizar eleições ainda neste ano.

Pela direita, há resistência das bancadas parlamentares em encurtar o seu próprio mandato. Já pela esquerda, os congressistas tentam aprovar uma proposta de plebiscito constitucional, que seria realizado junto às eleições.

A redação de uma nova Constituição é uma das principais demandas dos protestos e foi o carro-chefe da campanha eleitoral que levou Pedro Castillo à presidência. O projeto de lei que autoriza a convocatória de uma constituinte está parado no Congresso desde abril do ano passado.

A Carta Magna atual foi promulgada em 1993, durante o regime de Alberto Fujimori, e não prevê qualquer mecanismo de reforma do texto original.

Para aprovar qualquer mudança, são necessários votos de 87 deputados, equivalente a 2/3 do Congresso.

Outras emendas constitucionais que estão sendo debatidas incluem o aumento das cadeiras de representantes na Justiça Eleitoral de cinco para sete magistrados e o encurtamento do mandato dos atuais chefes do poder eleitoral; diminuir a maioria qualificada nas votações do Legislativo, passando de 87 para 78 votos; estabelecer um cláusula de barreira para o registro eleitoral de partidos políticos. Todas as propostas foram encaminhadas pelos partidos de direita: Ação Popular, Avança País, Aliança para o Progresso e Ação Popular.

Entre as reformas políticas propostas, está o projeto “ficha limpa” para impedir que pessoas processadas por crimes de corrupção, abuso sexual ou terrorismo possam candidatar-se; levantar a exigência de um voto de confiança ao gabinete de ministros, que é concedido pelo Legislativo, e querem impedir que congressistas assumam cargos como ministros.

Também buscam eliminar a opção de “incapacidade moral” entre a lista de razões pelas quais um presidente pode ser deposto. Com base neste artigo, os congressistas destituíram Pedro Castillo em dezembro do ano passado.

E a bancada de esquerda ainda tenta garantir a inclusão de cotas no Legislativo para nações indígenas e comunidades afroperuanas.

No entanto, enquanto não houver acordo de uma maioria qualificada, nenhum projeto irá avançar no plenário.

Brasil de Fato