Nova lei permite que qualquer pessoa ataque na Justiça alguém envolvido em um aborto, agora considerado ilegal após seis semanas de gravidez.

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                                                Fibonacci Blue/Flickr

A nova lei de aborto do Texas, assinada pelo governador republicano Greg Abbott em maio deste ano, permite que qualquer pessoa ataque na Justiça alguém envolvido em um aborto, agora considerado ilegal após seis semanas de gravidez.

Esse dispositivo da nova lei contra o aborto pode ser aplicado aos médicos, psicólogos, um padre que tenha aconselhado a gestante ou até mesmo ao taxista que leve a mulher à clínica, além de qualquer associação que preste assistência financeira à pessoa que deseja fazer o aborto.

O correspondente da RFI em Houston, Thomas Harms, destaca que, para as associações feministas, esta é uma porta aberta para julgamentos sem fim. A partir de queixas infundadas, a vítima não pode pedir o reembolso das custas judiciais, principalmente se a lei oferece US$ 10 mil em “compensação” ao denunciante em caso de condenação pelos tribunais.

Recentemente, vídeos têm promovido um site para expor os infratores. “Se você tiver evidências de um aborto depois que o batimento cardíaco do feto for detectado, você pode fazer uma denúncia anônima em prolifewhistleblower.com”, motiva um deles. O site foi criado no final de agosto pela associação “Texas Right to Life” (Texas direito à vida).

Mas nem todo mundo usará essa plataforma “gratuitamente”, se uma denúncia válida pode render um “prêmio” de US$ 10 mil ao delator. Para Nancy Pelosi, líder dos democratas na Câmara dos Representantes, a lei levará as pessoas a se tornarem caçadores de recompensas.

“Conceitos como esse já existem na lei do Texas”

Mas Kimberlyn Schwartz, porta-voz do Texas Right to Life, nega: “Isso não é um incentivo para se pegar os pró-aborto. A ideia da recompensa, os US$ 10 mil, já existe na lei do Texas, como nos casos de fraude de seguro saúde [Medicaid]. A indústria do aborto está tentando fazer parecer que o Texas vai virar o Velho Oeste, mas não criamos nada de novo”.

Desde sua criação, há poucos dias, o site prolifewhistleblower.com recebeu centenas de denúncias falsas. Um usuário do TikTok, por exemplo, divulgou um código para enviar relatórios automáticos ao site. Outros postam fotos pornográficas do desenho animado Shrek ou os nomes das esposas e filhas de funcionários eleitos do Texas que votaram a favor da lei.

Já o correspondente do Le Monde em Washington, Piotr Smolar, destaca dados do Centro de Direitos Reprodutivos, que mostram que de 85% a 90% dos casos de gravidez são identificados após este período de seis semanas, estabelecido pela lei texana, que não prevê exceções para incesto nem para estupro. Tentativas de legislação semelhante em outras partes do país foram contestadas e sistematicamente rejeitadas, com a Suprema Corte garantindo o direito ao aborto enquanto o feto não fosse viável, ou seja, por volta das 22 semanas de gravidez.

Em uma declaração, o Centro para os Direitos Reprodutivos também destaca o risco de discriminação social e étnica. Eles afirmam que “as pessoas de baixa renda, as negras e mestiças, e aquelas que vivem na zona rural, que já enfrentam mais obstáculos no acesso à assistência médica, serão as mais afetadas por esta lei”, devido aos custos adicionais necessários para a obtenção do aborto em um outro estado.

Em diversos estados, às vezes há apenas uma clínica em funcionamento, informa o Instituto Guttmacher, organização líder na documentação do aborto no país. O motivo seria o assédio legal e social organizado por esses grupos chamados “pró-vida”. Um exemplo é o Mississippi, onde a questão também gera fortes polêmicas e onde a Suprema Corte dos Estados Unidos terá que tomar uma decisão em breve. No estado, uma lei proíbe o aborto após 15 semanas de gravidez.

“Roe contra Wade”

Juízes conservadores reconheceram na quarta-feira (01/09) que a lei do Texas pode ser inconstitucional, destacando que seus oponentes “levantam questões sérias” sobre a violação dos direitos das mulheres. Os defensores dos direitos das mulheres observam a onda conservadora crescer em alguns estados do sul e do meio-oeste do país contra essa jurisprudência histórica.

Em um comunicado, o presidente Joe Biden denunciou “um ataque sem precedentes” aos direitos constitucionais das mulheres. Ele considerou a decisão como um “insulto ao Estado de Direito”. Comentários tão agressivos feitos por um presidente democrata contra a Suprema Corte não são comuns. Biden prometeu um esforço por parte de todas as autoridades relevantes para responder ao perigo iminente.

 

RFI RFI