Entregar um refugiado que se abriga numa embaixada é o mesmo que desprezar as tradições milenares de toda uma civilização, é desonrar a América Latina.

 

Lenin Moreno rendendo-se ao vice-presidente dos Estados Unidos: destino de Assange ficou traçado

 

 

A decisão de entregar Julian Assange aos Estados Unidos está tomada desde 2017: Donald Trump enviou o seu representante especial Paul Manafort, agora na prisão, para negociar com o presidente do Equador, Lenin Moreno, a entrega de Assange em troca de vantagens comerciais e contribuições monetárias.

Faltava apenas um catalisador para consumar a entrega e este foi fornecido pelo escândalo “Ina Papers”, que compromete o presidente equatoriano, o seu irmão Edwin e as suas três filhas numa operação de branqueamento de capitais da ordem dos 18 milhões de dólares no paraíso fiscal de Belize (América Central).

O ignominioso abandono de Assange, icónico fundador de WikiLeaks, ameaça de morte a liberdade de expressão nos tempos do totalitarismo orwelliano-cibernético e volta a levantar a questão da Primeira Emenda* da Constituição dos Estados Unidos.

Edwin Moreno, o irmão de Lenin Moreno, recebeu 18 milhões de dólares enquanto patrão da empresa INA Investment Corp.; este montante foi encontrado já lavado por um conjunto de 11 instituições fantasmas: Espiritu Santo Holdings, Fundación Amore, Fundación Esmalau, Fundación Pacha Mama, Inversiones Maspal, Manela Investment Corp., Probata Investments, San Antonio Business Corp., Turquoise Holdings Lda. e Valley View Business Corp.

A designação Ina foi construída a partir dos nomes próprios das três filhas de Lenin Moreno: Ir(ina), Crist(ina) e Kar(ina). O que não se perdoa a Assange é que tenha tornado públicas, no passado dia 26 de Março, as negociações do presidente equatoriano com Trump através de Paul Manafort, realizadas há dois anos.

Traição contra Assange e austeridade para o povo

Lenin Moreno acusou então Assange de ter pirateado o seu correio electrónico, apesar de não dispor de qualquer ligação por internet e de não ter contacto com o mundo exterior à embaixada onde se encontrava refugiado.

Maria Paula Romero, a esposa do presidente equatoriano, chegou a acusar Assange e WikiLeaks de estarem implicados numa “conspiração” para desestabilizar o governo de Lenin Moreno com a ajuda de “dois hackers russos”. Ver a mão de Moscovo em todo o lado tornou-se uma cereja no topo do bolo… estragada e sensaborona.

Desde então, a taxa de popularidade de Lenin Moreno caiu para 17%. O que ressalta deste personagem indigno é a sua viragem até à extrema-direita e a sua submissão a Trump desde que obteve 10 mil milhões de dólares a título de empréstimos do FMI e do Banco Mundial, em troca de duríssimas medidas de austeridade e do corte de 10 mil empregos no sector público.

A operação mediática de abandono de Assange estava pronta: já há cinco meses tive a oportunidade de anunciar a sequência expulsão/detenção/deportação, por ocasião do Salão do Livro de Guadalajara.

O escândalo “Ina Papers” da muito corrupta família Moreno nada tem de original: faz parte da aplicação mafiosa do neoliberalismo global na América Latina. Resume-se à vulgar lavagem de capitais em paraísos fiscais clássicos para comprar a consciência dos dirigentes e/ou dos manipuladores da opinião pública, como aconteceu no caso dos “Panama Papers”, no qual foram atingidos o romancista Mario Vargas Llosa e o presidente argentino Mauricio Macri; ou nos “Bahamas Leaks”, implicando Pinochet, Macri e o arquicorrupto Partido de Acção Nacional (PAN) do México; ou ainda o trabalho de escroques no Banco Stanford, o cartel do Golfo para branqueamento em associação com o primeiro-ministro Gutman do ex-presidente mexicano Fox Castañeda, etc.

Na realidade, na América Latina não existe liberalismo sem branqueamento crapuloso de capitais.

O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, revelou que depois de ter divulgado o caso sórdido dos “Ina Papers” a sua conta do Facebook foi bloqueada. E confirma que Julian Assange foi entregue em troca de um empréstimo do FMI, como vingança pela publicação do escândalo “Ina Papers” através de WikiLeaks.

Alfredo Jalife-Rahme, La Jornada (México)/ O Lado Oculto

*A Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos proclama “o direito à liberdade de expressão, reunião e de imprensa”.