Um consórcio de jornalistas revela como uma equipa liderada por um antigo militar israelita interferiu em processos eleitorais e em campanhas de desinformação em vários países.
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                            Tal Hanan. Imegm Guardian Design/Haaretz/The Marker/Radio France

 

 

Jornalistas de mais de 20 órgãos de comunicação social de vários países, incluindo o Guardian, El País, Haaretz, Le Monde, Washington Post ou Der Spiegel, sob coordenação da ONG francesa Forbidden Stories, estão a revelar uma máquina de desinformação com centro em Telavive e impacto em dezenas de países.

O protagonista da rede é Tal Hanan, um ex-membro das forças especiais israelitas atualmente com 50 anos e que usa o pseudónimo de Jorge, apresentado como diretor geral da empresa de segurança e defesa DemoMan International Ltd, listada no diretório do Ministério da Defesa de Israel que autoriza as exportações deste tipo de empresas. De acordo com a investigação, Hanan oferecia os seus serviços para interferir em processos eleitorais a favor do seu cliente ou para colocar conteúdos favoráveis em órgãos de comunicação e espalhá-los nas redes sociais para influenciar a opinião pública a seu favor.

Um dos produtos que esta rede punha à disposição dos clientes era o software Aims – Advanced Impact Media Solutions – que permite controlar um exército de dezenas de milhares de perfis falsos no Twitter, LinkedIn, Facebook, Telegram, Gmail, Instagram ou YouTube e assim dar uma projeção maior às campanhas de desinformação. Alguns dos perfis tinham histórico de atividade de vários anos, estavam ligados a contas de telemóveis e até associados a cartões de crédito.

Hanan nega ter cometido qualquer crime, mas foi filmado durante mais de seis horas a explicar as suas condições e métodos em reuniões com clientes que eram afinal os jornalistas desta investigação. Além de gabar-se de ter participado em 33 eleições ao nível de presidenciais – e dos seus clientes terem ganho 27 -, explicava como entrar em contas do Gmail ou Telegram dos seus alvos, enviando mensagens a partir delas com o intuito de causar divisão e desconfiança.

A investigação publicada no Guardian dá conta da ligação de Hanan à consultora britânica Cambridge Analytica, envolvida na recolha ilegal de dados de 50 milhões de utilizadores do Facebook, que depois eram usados em campanhas com as de Trump ou do Brexit. O israelita terá pelo menos por duas vezes oferecido os seus serviços e sabe-se que trabalhou, tal como a consultora, nas presidenciais nigerianas de 2015.

Ataque informático à consulta catalã, reportagens à medida na tv líder de audiências em França

O El Pais destaca o envolvimento da equipa de Hanan no ataque informático à consulta promovida pelo governo catalão em 2014 sobre a independência. Um ataque contra a infraestrutura digital da Catalunha que afetou não apenas os sites dedicados à consulta por parte do governo e das associações indeendentistas, mas os próprios serviços de emergências médicas, obrigando ao adiamento de intervenções cirúrgicas. Na conversa com os jornalistas, Hanan também fala das notícias falsas, afirmando ter posto a circular a história das supostas ligações entre os independentistas catalães e o Estado islâmico. A investigação não diz quem terá contratado os seviços de Hanan para sabotar a consulta catalã, mas fontes próximas dos serviços de informações espanhóis disseram ao El País que Hanan já ministrou cursos a elementos das forças de segurança. O Ministério do Interior e as polícias basca e catalã negaram alguma vez tê-lo contratado.

Em França, o caso foi notícia ainda antes da investigação ser publicada. Em janeiro, o canal televisivo BFMTV, líder de audiências e detido pela Altice, lançou uma investigação ao seu programa de reportagens “Le Journal de la Nuit” e suspendeu o apresentador Rachid M’Barki, figura de proa da estação desde o seu início em 2005. A suspensão ocorreu quando um dos repórteres da investigação ao “Team Jorge” questionou a estação sobre uma dessas reportagens, acerca do impacto negativo das sanções aos oligarcas russos na indústria dos iates no Mónaco. Um clip dessa reportagem foi mostrado como um exemplo das ações da empresa israelita numa das conversas gravadas entre Tal Hanan e os jornalistas que se faziam passar por potenciais clientes.

Numa declaração, o canal diz que algumas reportagens não passaram pelos canais habituais de validação e que estavam agora sob investigação. Quanto ao jornalista, disse ao site Politico que as histórias eram todas verdadeiras e que fez o seu trabalho. “Não afasto nenhuma hipótese, se calhar fui enganado mas nunca senti que fosse o caso ou que estivesse a participar numa operação sabe-se lá do quê ou de quem, nesse caso nunca o faria”. Mas na estação muitos ainda se lembravam de uma reportagem publicada em junho sobre um forum empresarial realizado em Marrocos com o objetivo de atrair investidores espanhóis para o Saara, mas que foi ignorado pelas gandes empresas espanholas. Na reportagem, M’Barki falou também do “reconhecimento espanhol do Saara marroquino”, uma expressão pouco habitual nos media franceses para se referir ao Saara Ocidental. As relações próximas de M’Barki com o monarca marroquino também foram recordadas numa altura em que no Parlamento Europeu rebentava o escândalo dos subornos marroquinos e qataris a eurodeputados.

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