Passados mais de quinze anos desde a invasão norte-americana ao Iraque, em 2003, um novo estudo descobriu uma conexão entre o atual nascimento de bebês com deformidades congênitas graves e a continuidade da presença militar americana no local. O relatório, emitido por uma equipe independente de médicos pesquisadores e publicado no periódico Environmental Pollution, examinou as anomalias congênitas registradas em bebês iraquianos nascidos nas proximidades da Base Aérea de Tallil, operada por uma aliança militar estrangeira liderada pelos EUA. Segundo o estudo, os bebês que apresentavam anomalias congênitas graves – incluindo problemas neurológicos, doença cardíaca congênita e paralisia ou ausência de membros – também apresentavam em seus corpos altos níveis de um composto radioativo chamado tório.

 

Um soldado do Exército dos EUA passa pelos muros de Camp Adder, na Base Aérea de Tallil, em 2 de dezembro de 2011.

 

“Os médicos frequentemente encontram anomalias tão graves que não é possível estabelecer precedentes para elas.”

 

“Coletamos amostras de cabelos, dentes decíduos (de leite) e medula óssea de indivíduos que moravam nas proximidades da base”, explicou Mozhgan Savabieasfahani, um dos pesquisadores que lideraram o estudo. “Encontramos a mesma tendência nos três tipos de tecido: altos níveis de tório.” Savabieasfahani, que participou de estudos sobre os resíduos radioativos deixados pelas forças militares dos EUA no Iraque ao longo dos anos, considera que as novas descobertas contribuem para as crescentes evidências a respeito dos graves impactos de longo prazo das operações militares dos EUA sobre a saúde dos civis iraquianos. “Quanto mais perto de uma base militar norte-americana no Iraque você mora”, relatou ele, “mais alta a concentração de tório no seu corpo e mais provável que você sofra malformações e defeitos congênitos graves.”

Esse novo estudo vem contribuir para uma base de conhecimento cada vez maior sobre os graves efeitos negativos das forças militares dos EUA nos ambientes onde operam. Toda atividade militar industrializada é ruim para os ecossistemas, mas no caso dos EUA, a magnitude do contingente, associada à disseminação de suas atividades pelo mundo inteiro, representa um impacto ambiental especialmente grande. Não apenas as Forças Armadas dos EUA lideram as emissões mundiais de carbono, mas sua vasta presença por todo o mundo deixa um rastro tóxico de produtos químicos com que as comunidades locais precisam lidar: desde os chamados “poços de incineração” das bases, que liberam fumaça tóxica, até a radiação dos projéteis com urânio empobrecido, que causam mutações no DNA das populações vizinhas.

O sofrimento dos iraquianos tem sido especialmente intenso. Os resultados do novo estudo contribuíram para uma grande lista de impactos negativos sobre a saúde de longo prazo da população do país em decorrência da duradoura guerra empreendida pelos EUA. Estudos anteriores, incluindo alguns elaborados pela equipe liderada por Savabieasfahani, apontaram taxas elevadas de incidência de câncer, abortos espontâneos e intoxicação radiológica em locais como Fallujah, onde os EUA realizaram ataques de grande porte durante a ocupação do país.

O estudo publicado na Environmental Pollution foi conduzido por uma equipe de pesquisadores independentes do Iraque e dos EUA durante o segundo semestre de 2016. Eles analisaram 19 bebês nascidos com deformidades congênitas em uma maternidade nos arredores da Base Aérea de Tallil, em comparação com um grupo controle de 10 recém-nascidos saudáveis.

“Os médicos frequentemente encontram anomalias tão graves que não é possível estabelecer precedentes para elas”, declarou Sabahieasfahani. “A guerra disseminou tanta radiação por aqui que, a não ser que seja feita uma limpeza, gerações de iraquianos continuarão a ser atingidas.”

 

Uma série de imagens de um estudo conduzido por uma equipe independente de médicos pesquisadores mostra as deformidades sofridas pelas crianças pequenas que vivem nas proximidades de uma base militar norte-americana ativa no Iraque.

Uma série de imagens de um estudo conduzido por uma equipe independente de médicos pesquisadores mostra as deformidades sofridas pelas crianças pequenas que vivem nas proximidades de uma base militar norte-americana ativa no Iraque.Fotos: Estudo “Morar perto de uma base militar americana ativa no Iraque está associado a um tório capilar significativamente mais alto e a uma maior probabilidade de anomalias congênitas em bebês e crianças”, de 2019.

 

Alguns desses efeitos negativos de saúde podem ser atribuídos ao uso frequente pelas forças norte-americanas de munições contendo urânio empobrecido. O urânio empobrecido, um subproduto do urânio enriquecido usado para abastecer os reatores nucleares, aumenta a eficiência de balas e cartuchos na destruição de veículos blindados, em razão de sua extrema densidade. No entanto, ele é considerado prejudicial ao meio ambiente e à saúde de longo prazo das pessoas que moram nos lugares onde essas munições são usadas.

“Urânio e tório foram o foco principal desse estudo”, observam os autores. “As evidências epidemiológicas são consistentes com um risco aumentado de anomalias congênitas na prole de pessoas expostas ao urânio e suas formas empobrecidas.” Em outras palavras: os pesquisadores descobriram que quanto mais você estivesse por perto dessas armas americanas, maior a sua chance de ter filhos com malformações e outros problemas de saúde.

Em resposta à indignação pública sobre os efeitos negativos do urânio empobrecido, as forças militares dos EUA se comprometeram a não usá-lo em seus bombardeios contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. A despeito dessa promessa, porém, uma investigação feita em 2017 pelo grupo independente de pesquisa AirWars e pela revista Foreign Policy mostrou que os militares haviam continuado a usar regularmente projéteis contendo o composto tóxico.

Essas munições de urânio empobrecido figuram entre as causas de risco não apenas para os civis dos locais onde os EUA combatem em suas guerras, mas também para os norte-americanos que estão a serviço do país nesses conflitos. As doenças crônicas sofridas pelos soldados americanos durante a guerra de 1991 no Iraque – frequentemente decorrentes da exposição às munições de urânio e outros produtos químicos tóxicos – foram categorizadas como uma condição chamada “síndrome da Guerra do Golfo”. Mas o governo dos EUA está menos interessado nos efeitos dos resíduos de seus produtos químicos militares sobre os iraquianos. O uso de “poços de incineração” – fogueiras tóxicas a céu aberto usadas para descartar resíduos militares – juntamente com outras fontes de contaminação vêm tendo um impacto duradouro sobre a saúde das gerações atuais e futuras de iraquianos.

Os pesquisadores que conduziram o estudo mais recente relatam que um estudo mais amplo é necessário para obter resultados definitivos em relação a esses impactos de saúde. As imagens dos bebês nascidos com malformações no hospital onde o estudo foi conduzido, a Maternidade Bint Al-Huda, a cerca de 10 quilômetros da Base Aérea de Tallil, são terríveis e assustadoras. Savabieasfahani, o pesquisador-chefe, disse que, sem um esforço das forças militares dos EUA para fazer a limpeza de seus resíduos radioativos, os bebês vão continuar a nascer com as deformidades documentadas em seu estudo e em vários outros.

“Poderia haver uma limpeza dos resíduos radioativos dos militares caso houvesse oficiais interessados em fazê-la”, disse ele. “Infelizmente, até mesmo as pesquisas sobre o problema dos defeitos congênitos no Iraque precisam ser feitas por toxicologistas independentes, porque as Forças Armadas e outras instituições norte-americanos não estão sequer interessadas nesse assunto.”