O anúncio feito por Donald Trump de que os Estados Unidos vão reconhecer a soberania de Israel sobre o território sírio ocupado dos Montes Golã, previsto há três semanas por O Lado Oculto, é mais um esforço para aumentar as hipóteses de reeleição do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.

 

Trump & Netanyahu: não há lei internacional que lhes resista

 

 

Donald Trump tweetou na quinta-feira à tarde, dia 21, que “já é tempo de os Estados Unidos reconhecerem a soberania plena de Israel nos Montes Golã”, um território que tem “uma importância crítica, estratégica e de segurança para Israel e para a estabilidade regional”. O anúncio, embora esperado, ocorre apenas a 19 dias das eleições gerais em Israel.

Com as suas palavras, Trump deixou claro que pretende apoiar Netanyahu, que se move em terrenos movediços no seu país, considera Khalil Jahshan, director-executivo do Centro Árabe de Washington. “A mensagem para o exterior, em especial na região do Médio Oriente, é a de que Israel pode avançar e ocupar à força territórios que não lhe pertencem”, disse Jahshan. Acrescentou que a declaração também funciona como “uma manobra de diversão” para os problemas jurídicos com os quais Trump e Netanyahu estão confrontados nos seus países.

O primeiro-ministro israelita enfrenta várias investigações de corrupção e uma acusação do procurador-geral; entretanto, políticos norte-americanos antecipam a divulgação do relatório fantasioso do consultor Robert Mueller sobre um hipotético conluio da equipa de campanha de Trump com a Rússia.

Partindo do princípio de que esta tentativa de criar escândalo pode ameaçar a sua presidência, Trump afirma o seu compromisso com Israel precisamente antes da Conferência anual da AIPAC – o mais poderoso lobby israelita nos Estados Unidos – já na próxima semana, considera o director-executivo do Centro Árabe da capital federal norte-americana.

O presidente dos Estados Unidos pediu recentemente aos judeus norte-americanos para abandonarem os apoios ao Partido Democrata, realçando as suas próprias políticas pró-Israel, incluindo a mudança da Embaixada dos Estados Unidos de Telavive para Jerusalém e o abandono do acordo nuclear com o Irão.

Jahshan disse ainda que a declaração de Trump sobre os Montes Golã também coincide com a próxima visita de Benjamin Netanyahu a Washington, na qual o chefe do governo israelita se encontrará com Trump e será o orador principal da conferência anual da AIPAC.

“Presidente racista”

Nihad Awad, director-executivo do Conselho de Relações Islâmicas Americanas (CAIR), também considera que a declaração de Trump é uma ingerência nas eleições gerais israelitas e uma tentativa de dar novo impulso a Netanyahu.

“Trump interfere em eleições estrangeiras favorecendo um político que alinhou com os racistas do seu país e aprovou a lei segregacionista do Estado nação”, lembrou Awad. Esta lei considera que o Estado de Israel é uma nação reservada ao povo judaico, o que a torna racista e discriminatória em relação à minoria formada pelos israelitas de origem palestiniana.

Netanyahu citou recentemente a lei quando declarou que Israel é um Estado apenas para os judeus, “não um Estado de todos os seus cidadãos”.

Nihad Awad estabeleceu uma ligação entre as políticas internas de Trump contra os imigrantes e a política de Netanyahu. “O presidente é encarado como um símbolo para os nacionalistas brancos nos Estados Unidos e os supremacistas brancos de todo o mundo”, disse. “O que podemos esperar de um presidente racista a não ser assumir políticas e posições racistas contra minorias étnicas e comunidades sob ocupação?”, perguntou.

Apesar das declarações que proferiu, o presidente dos Estados Unidos não tem autoridade moral nem legal para afirmar a soberania de Israel sobre terra síria, prosseguiu Awad. “Não é da sua competência legitimar a anexação de um território estrangeiro por Israel”.

Netanyahu elogia a decisão

Israel ocupou os Montes Golã à Síria na guerra de 1967 e proclamou a sua anexação em 1981 – até agora não reconhecida por qualquer país. Actualmente abriga 34 colonatos com dezenas de milhares de israelitas, fruto de uma política de colonização que viola o direito internacional.

Ariel Gold, co-directora do movimento feminista e pacifista israelita Codepink, sublinhou que Trump está solidificar a sua aliança com dirigentes de extrema-direita em todo o mundo, incluindo Benjamin Netanyahu e o presidente brasileiro Jaír Bolsonaro.

A declaração sobre os Montes Golã, acrescentou, isola ainda mais os Estados Unidos de um consenso global, ao mesmo que diminui as perspectivas de pacificação do Médio Oriente.

“As palavras de Trump fazem saber a Israel – tal como aconteceu com a mudança de Embaixada – que o seu governo tem o apoio dos Estados Unidos; deste modo, com a superpotência mundial ao seu lado, Israel não precisa de se preocupar com os caminhos para a paz”, disse Gold.

Foi exactamente o que o próprio Netanyahu comentou na quinta-feira, ao saudar a declaração de Trump sobre a anexação dos Montes Golã.

“A mensagem que o presidente Trump enviou ao mundo é a de que os Estados Unidos da América estão ao lado de Israel”, declarou em comunicado. “Estamos profundamente gratos pelo apoio norte-americano; estamos profundamente gratos pelo apoio inacreditável e inigualável à nossa segurança e ao direito de nos defendermos”.

“Direito internacional ridicularizado”

O anúncio de Trump sobre a soberania de Israel nos Montes Golã provocou também receios de que a situação possa conduzir à anexação de partes ou a totalidade da Cisjordânia por Israel, com o apoio dos Estados Unidos.

Omar Baddar, vice-director do Instituto Árabe-Americano, manifestou o ponto de vista de que Trump está a marginalizar o papel dos Estados Unidos no mundo ao desconsiderar o direito internacional e prometendo “total apoio à aquisição ilegítima de território pela força por parte de Israel”.

Tanto Trump como Netanyahu puseram em relevo que o domínio de Israel sobre os Golã deve ser prolongado indefinidamente para preservar a segurança israelita; e invocam a guerra em curso na Síria e a alegada presença de tropas iranianos nas imediações do território.

Baddar rejeitou esse ponto de vista.

“O mais insultuoso para a inteligência comum é que o anúncio de Trump salienta o esforço em favor da ‘segurança’ e da ‘estabilidade regional’, quando a realidade é o facto de ser a ocupação que contribui para a instabilidade e a violência”, disse.

Na realidade, acrescentou, o tweet de quinta-feira é o mais recente exemplo de desrespeito de Trump pelas normas e as instituições internacionais em favor de Israel.

Depois de o seu governo ter reconhecido Jerusalém como capital de Israel, apesar das objecções de alguns dos aliados mais próximos de Washington, os Estados Unidos também abandonaram o Conselho de Direitos Humanos da ONU como protesto por decisões desfavoráveis a Israel assumidas por este órgão. Além disso, Washington cortou ainda a ajuda a instituições internacionais de socorro e ajuda dos palestinianos.

Trump, porém, não está preocupado com resoluções da ONU e tratados internacionais que regem as disputas territoriais, disse Khalil Jahshan, do Centro Árabe. Isso ficou ainda mais claro na quinta-feira, acrescentou, porque a declaração do presidente norte-americano “ridiculariza o direito internacional”.

Ali Harb, Middle East Eye/O Lado Oculto