Apesar da lei o proibir, pelo menos sete jornalistas que cobriam a crise migratória no Mediterrâneo foram alvo de escutas. A Procuradoria da Sicília pretendia acusar as organizações que salvam migrantes no Mediterrâneo de cumplicidade com o tráfico de seres humanos.
.
.
"Salvamento marítimo não é crime". Fotografia tirada em Atenas em solidariedade com os ativistas acusados pelo sistema penal italiano. Foto de Jugend Rettet/Facebook.
“Salvamento marítimo não é crime”. Fotografia tirada em Atenas em solidariedade com os ativistas acusados pelo sistema penal italiano. Foto de Jugend Rettet/Facebook.

 

O jornal Domani noticiou esta sexta-feira que a Procuradoria da Sicília escutou dezenas de conversas entre jornalistas e pessoas que prestavam auxílio humanitário a migrantes no Mediterrâneo. Esta entidade acabou por acusar as equipas de resgate de migrantes de cumplicidade com traficantes de seres humanos.

Os mais de vinte acusados enfrentam assim, pelo seu trabalho de resgate de refugiados em perigo no Mediterrâneo, penas que vão até aos vinte anos de prisão. Fazem sobretudo parte das tripulações de três barcos: o Iuventa, da Jugend Rettet, o Vos Hestia da Save the Children e o Vos Prudence dos Médicos sem Fronteiras.

A Procuradoria de Trapani esteve quatro anos a investigar o caso para chegar à tese de que havia um arranjo entre estas organizações e os traficantes. Todos os acusados negam as acusações.

 

Miguel Duarte no dia em que reuniu no parlamento, com o Bloco de Esquerda, 18 de junho de 2019 - foto esquerda.net                                             Miguel Duarte ilibado da acusação de auxílio à imigração ilegal em Itália

 

Não foi processo único. Várias investigações foram feitas na Itália sobretudo durante a era Salvini, sempre na tentativa de provar aquela cumplicidade, naquilo a que os ativistas chamaram uma “criminalização dos salvamentos no mar”.

Os MSF recordam que são uma organização que, ao longo de 50 anos, trabalhou em 80 países e que só os seus seis barcos salvaram mais 81.000 vidas e apelam a que “a história triste da criminalização daqueles que ajudavam acabe rapidamente” para que “a indispensável atividade de salvamento no mar, que a Itália antes orgulhosamente defendia, possa recomeçar”.

Quanto aos jornalistas alvo das escutas, esses foram pelo menos sete. O jornal italiano deu a conhecer o conteúdo das transcrições resultantes das escutas nos telefones por exemplo de Nancy Porsia, freelancer e especialista na Líbia que trabalhava para meios de comunicação como o Repubblica, a Sky, a Al Jazeera e o Guardian. Foram recolhidas informações pessoais, nomes de fontes e seguidos os seus movimentos. Porsia estava sob proteção policial na sequência de ter exposto uma rede de tráfico humano que trabalhava para a guarda costeira líbia.

Outros jornalistas como Francesca Mannocchi, Sergio Scandura, um correspondente da Rádio Radicale na Sicília e um repórter do El Mundo também fazem parte da lista.

 

 

Já em 2017, procuradores italianos tinham utilizado escutas a jornalistas. Na altura, tratava-se de Lorenzo Tondo do Guardian que trabalhava no caso de um refugiado da Eritreia que tinha sido confundido pelas autoridades italianas com um conhecido traficante. Depois de três anos preso e de dezenas de testemunhas terem negado tratar-se da mesma pessoa, Medhanie Tesfamariam Berhe acabou por ser libertado.

Segundo a lei italiana, as escutas a jornalistas são proibidas a menos que estes estejam sob investigação de uma procuradoria.