Foto Garry Knight/Fl

Desde há uns meses, Jeremy Corbyn é objeto de uma campanha orquestrada pelo lóbi pró-israelita no Reino Unido e com o apoio da direita do seu próprio partido (o Partido Trabalhista) e do Partido Conservador. É acusado frequentemente de antissemitismo. Quem é assim visado é um dos dirigentes políticos europeus que sempre denunciou sem hesitações, apesar de todas as chantagens, a ocupação israelita, os assassinatos em Gaza, a política do governo de Benjamin Netanyahu.

O último episódio destas polémicas teve lugar há uns dias e foi relatado, em termos mais do que discutíveis, pelo diário Le Monde:

“Benjamin Netanyahu interveio na segunda-feira, 13 de agosto, na controvérsia sobre o antissemitismo que se abate sobre o Partido Trabalhista britânico. No Twitter, o primeiro-ministro israelita exigiu uma “condenação inequívoca” de Jeremy Corbyn, o líder do Labour. Este foi acusado de ter deposto, em 2014, uma coroa de flores na campa de membros do Setembro Negro, o grupo terrorista palestiniano que tomou como reféns os atletas e treinadores israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique em 1972, que acabou na morte de onze deles. (…)

O Daily Mail publicou no sábado uma foto a mostrar o Sr. Corbyn em 2014, tendo nas suas mãos uma coroa de flores numa cerimónia em Tunes. O então deputado estava ali para participar numa conferência consagrada à Palestina, organizada pelo presidente tunisino. No fim, duas coroas de flores foram colocadas nas campas dos palestinianos.

A primeira homenageava os 47 palestinianos mortos num ataque israelita a uma base da Organização de Libertação da Palestina (OLP) em 1985. Corbyn afirma que é isso que a foto do Daily Mail mostra. A segunda foi colocada nas campas de Salah Khalaf, fundador do Setembro Negro, Fakhri al-Omari, o seu braço direito, e Hayel Abdel.Hamid, o chefe de segurança da OLP. Os três foram assassinados vinte anos depois do atentado de Munique pela Mossad, os serviços secretos israelitas. Nesta cerimónia, Corbyn diz ter estado simplesmente “presente”.

Antes de mais é preciso notar que a intervenção de Netanyahu confirma as ingerências permanentes de Israel nos assuntos internos de outros Estados. Um documentário explosivo da Al-Jazeera sobre o lóbi pró israelita no Reino Unido já tinha divulgado as intervenções de Israel nos assuntos internos deste país e as suas tentativas para fazer derrubar um ministro considerado como pró-palestiniano, o que levou a um pedido de desculpas público do embaixador israelita em Londres e a um regresso antecipado a Telavive de um diplomata de alto escalão. Assinalemos também que, para Netanyahu, o antissemitismo é de geometria variável, como prova a sua camaradagem com alguns dirigentes da extrema-direita do Leste da Europa e o seu silêncio acerca do antissemitismo que grassa por entre alguns apoiantes de Donald Trump.

Setembro Negro e Abou Iyad

Mas regressemos a esta última polémica. Vê-se que jornalista do Le Monde não sabe do que fala. E nem se deu ao trabalho de procurar. O raid de 1985 não visava “uma base” da OLP (designação que sugere tratar-se de um objetivo militar), mas a sede da direção da OLP, refugiada em Tunes desde 1982, e tinha por objetivo assassinar Yasser Arafat. O ataque, decidido pelo então primeiro-ministro Shimon Peres, matou 50 palestinianos e 18 tunisinos, numa operação que não se pode qualificar de outra forma a não ser “terrorismo de Estado”.

Quanto ao facto de Corbyn ter deposto “uma coroa de flores na campa de membros do Setembro Negro”, ele é mais do que redutor. Obviamente, o autor nunca ouviu falar de Salah Khalaf, conhecido por Abou Iyad, cuja sepultura foi ornamentada. Podia ter dado uma vista de olhos ao livro de um dos seus ilustres antecessores no Le Monde, Éric Rouleau, Palestinien sans patrie (Fayolle, 1978). Teria aprendido que Abou Iyad, um dos fundadores da Fatah com Yasser Arafat, era um dos principais dirigentes desta organização; que, tal como o resto da direção, renunciou às “operações externas” após a guerra de outubro de 1973, e comprometeu a sua organização com o caminho da busca de uma solução política e aceitou a ideia de um mini-Estado palestiniano na Cisjordânia e em Gaza, com Jerusalém como capital. Ele foi também o contacto de muitos serviços secretos ocidentais, que ajudou a combater alguns grupos, como o do renegado palestiniano Abu Nidal. Ele era considerado até ao seu assassinato em Tunes em 1991 (cometido pelo grupo dissidente de Abu Nidal, não pelos israelitas) como o número 2 da OLP.

Qual foi o seu papel no Setembro Negro? Questionado por Éric Rouleau, o responsável dos serviços especiais palestinianos “nega veementemente ter sido o chefe desta organização”, cujo dirigente teria sido Yousseff El-Najjar, assassinado pelos israelitas em Beirute em abril de 1973. Mesmo assim, não a condena e explica as condições que levaram à sua criação, após o esmagamento da resistência palestiniana na Jordânia em 1970-1971, acontecimentos que ficaram conhecidos como “Setembro negro”.

“Se a única solução é a violência…”

Ameaçada na sua própria existência, submetida a uma implacável repressão e a uma ocupação brutal, especialmente em Gaza, a resistência palestiniana lançou-se em operações espetaculares no palco internacional, que na sua opinião permitiria evitar o desaparecimento da Palestina no cenário político. O ataque contra os Jogos Olímpicos de Munique em 1972 insere-se neste contexto e Abou Niyad lembra que tinha por objetivo uma troca de prisioneiros e que o governo israelita tudo fez para fazer fracassar as negociações.

Podemos, como é óbvio, condenar este tipo de ações dirigidas contra civis. Mas é preciso lembrar que a maioria das organizações da luta armada recorreram a elas ao longo da história, da Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina aos grupos sionistas dos anos 1940 (Yitzhak Shamir, que seria primeiro-ministro, era considerado como terrorista pelas autoridades britânicas). Por outro lado, não podemos condenar esse tipo de ações se não condenarmos também as ações de opressão e de ocupação que as provocaram.

Como lembrava Nelson Mandela na sua viagem aos territórios palestinianos em 1999: “É preciso escolher a paz em vez do confronto, à exceção dos casos em que nada podemos conseguir, em que não podemos continuar, em que não podemos seguir em frente. Se a única solução é a violência, então usaremos a violência”. E proclamou ainda: “É sempre o opressor, não o oprimido, que determina a forma da luta”.


Alain Gresh é jornalista e foi editor do Le Monde Diplomatique até 2015. É especialista do Médio-Oriente e autor de muitas obras, como “De quoi la Palestine est-elle le nom?” (Les Liens qui libèrent, 2010) ou “Un chant d’amour. Israël-Palestine, une histoire française”, com Hélène Aldeguer (La Découverte, 2017).

Artigo publicado no portal Viento Sur.(link is external) Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.