Um novo relatório publicado pelo Military Court Watch (Observatório da Justiça Militar – MCW) neste mês traz uma série de números e depoimentos de violação e abuso de poder cometidos pelo exército israelense contra crianças e jovens palestinos nos territórios ocupados na Cisjordânia. Levantamento aponta casos de violação de direitos e condenações sem provas objetivas, além de abuso de poder cometido pelo exército israelense.

 

Em média, 332 crianças e adolescentes palestinos da Cisjordânia foram detidos pelo exército israelense em todos os meses deste ano. Só no mês de abril, de quando se tem dados mais recentes disponíveis, foram 315 e pelo menos 15 jovens mortos durante a Grande Marcha de Retorno.

Segundo o levantamento, entre 2013 e 2015, uma média de 912 crianças e jovens entre 12 e 17 anos foram presos por ano pelo exército israelense na região. A maioria é retirada de dentro da própria casa no meio da noite e transferida para centros de detenção, muitas vezes no chão frio de metal de veículos militares, algemada e de olhos vendados, sujeita a chutes, espancamentos e abuso verbal no caminho.

Ao chegar ao centro de detenção, o relatório aponta que a maioria dos jovens palestinos é submetida a revistas íntimas vexatórias. “Alguns jovens relatam que tiveram que ‘agachar e levantar nuas’ durante a revista. As autoridades militares e carcerárias continuam a desprezar as recomendações da UNICEF [Fundo das Nações Unidas para a Infância]”, segundo o relatório, pois a revista “não deveria envolver a retirada de todas as peças de roupa ao mesmo tempo”.

Em geral, os interrogatórios começam 12 horas depois da prisão e, nesse período, muitos jovens são mantidos de olhos vendados e imobilizados em contêineres ou ao relento, onde ficam expostos a condições climáticas extremas, em muitos casos sem acesso a comida nem banheiro.

Esses jovens – a essa altura já exaustos, humilhados e com dores – são interrogados, na maioria dos casos, sem acesso a um advogado e sem possibilidade de contato com os pais.

O levantamento do MCW mostra que 70% relataram casos de abuso físico durante os interrogatórios, incluindo coronhadas, golpes com lanterna e cassetete, chutes, tapas, tiros com bala de borracha, socos e torções no braço, entre outras agressões. O relatório se baseou em depoimentos colhidos de 114 jovens palestinos detidos no ano passado.

Intimidação

Além da violência física, outra prática comum relatada por quase 60% dos jovens detidos são as intimidações durante interrogatórios ou detenções para conseguir confissões. Se não confessassem ao crime de que eram acusados, eram ameaçados de serem mandados para confinamento em solitária, prisão prolongada, castração, recusa de autorização para trabalhar, entre outros. Em muitos casos, os agentes israelenses ameaçaram prender os pais e demolir a casa dos jovens, além de “disciplinar” todo o povoado onde moram.

Em 2015, último ano de que se tem dados disponíveis, 72% desses jovens palestinos tiveram a fiança negada. Em contraste, menos de 18% dos jovens israelenses acusados pelo sistema de justiça juvenil do Estado tiveram a fiança negada no mesmo ano.

Israel não pode aplicar sua legislação civil na Cisjordânia, o que seria considerado uma anexação formal ilegal. Por causa disso, a legislação militar é tecnicamente aplicável a toda a região. No entanto, violando esse questão técnica, os israelenses que vivem em assentamentos ilegais na Cisjordânia são liberados da lei militar, que, na prática, só se aplica aos palestinos.

Coação e condenação

Segundo o relatório, o índice de condenação de jovens palestinos na Cisjordânia acusados pela justiça militar israelense foi de 98% em 2014 e de 95% em 2015. Não há dados oficiais mais recentes.

Há casos de jovens espancados e coagidos a confessar para serem liberados e estabelecimento de multas exorbitantes, impossíveis de serem pagas pela maioria das famílias dos territórios ocupados da Cisjordânia e de Gaza.

Montecruz Foto/Flickr
                                            Intervenção em Belém, na Cisjordânia, pede liberdade à Palestina

 

Em 2017, 97% dos jovens detidos que tiveram depoimentos analisados pelo observatório moravam a 800 metros de assentamentos israelenses – construídos em violação da quarta Convenção de Genebra.

Ilegalidades

Violando a própria lei militar de Israel, em 84% dos casos, os jovens detidos não tiveram acesso a um advogado antes do interrogatório. Os questionamentos são conduzidos em árabe, mas os registros escritos são disponibilizados, em geral, em hebraico. Segundo o observatório, no ano passado, 75% dos jovens menores de idade presos tiveram que ler ou assinar documentos escritos na língua oficial de Israel, compreendida por poucos palestinos.

No caso de 71% dos jovens presos por soldados israelenses em 2017, não houve notificação por escrito da justificativa para a prisão nem informação sobre o local para onde eles seriam levados. Entre os 29% que receberam esse aviso, 60% relataram que os detalhes relevantes estavam escritos em hebraico.

As violações sistemáticas registradas no relatório do MCW são confirmadas por uma série de organizações de direitos humanos israelenses e palestinas, além de agências estatais, incluindo no relatório anual de direitos humanos do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

A UNICEF, por exemplo, conduziu um levantamento em 2013 para identificar os maus tratos sofridos por crianças e jovens palestinos em centros militares israelenses. O relatório trazia recomendações para que o exército adequasse suas práticas de às leis internacionais.

Cinco anos depois, a porcentagem de crianças e jovens palestinos presos que têm acesso a advogados até aumentou, mas de zero para apenas 20% em 2018.

Abusos aumentaram

Em contrapartida, o abuso físico aumentou no período, de 60% para 70%, as ameaças cresceram de 47% para 65%, o registro de casos de jovens que são vendados subiu de 81% para 90% e as revistas vexatórias passaram de 32% para 50%.

No relatório de 2013, a UNICEF concluía que “os maus tratos de crianças e jovens que têm contato com o sistema de detenção militar parece ser generalizado, sistemático e institucionalizado”. Com o levantamento deste ano, o Observatório da Justiça Militar atesta que a afirmação “continua válida em junho de 2018”.

(*) Publicado em The Dawn News e republicado em Brasil de Fato com tradução de Aline Scátola