Ativistas pedem reconhecimento do genocídio das populações nativas; discussões sobre direitos começam a amadurecer

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Pessoa caminha pela rua em frente à arte de @puregenius ilustrando a pandemia em meio ao Thanksgiving, na cidade de Nova York – Angela Weiss/AFP

 

Nesta quinta-feira, 26 de novembro, os estadunidenses comemoram o Dia de Ação de Graças. Mas ficam de fora da festa os povos originários dos Estados Unidos, que não têm o que comemorar – ou agradecer. Com tratados de terras violados e abusos ambientais instaurados, as populações indígenas locais aguardam ainda um pedido de perdão do governo do país.

“Os Estados Unidos precisam reconhecer que as populações nativas foram submetidas a um genocídio. Isso precisa ser parte do diálogo nacional”, disse ao Brasil de Fato a artista Makita Wilbur, que é também membro das tribos Swinomish e Tulali. “Os americanos têm de entender que eles vivem sobre terras roubadas, e não há justiça sobre terras roubadas”, completou.

 

 

Para Colin Samson, professor de sociologia da Universidade de Essex e coautor do livro Indigenous People and Colonialism, ainda sem tradução para o português, diferente de outros processos de colonização, o dos Estados Unidos teve um caráter definitivo desde o começo.

“Alguns processos de colonialismo liderados por franceses e espanhóis, como por exemplo o da região da Nova Escócia, tinham finalidades comerciais. Os colonos estavam ali para explorar as riquezas naturais e escravizar a população local”, explica. “Já os ingleses que foram aos Estados Unidos chegaram para ficar, mas foram igualmente cruéis e destrutivos”.

Mas essa não é a única peculiaridade da colonização da América do Norte. Segundo Carlos Gigoux, colega de Samson na Universidade de Essex e na coautoria do livro, “o modelo de ocidentalização implementado nos Estados Unidos no século 19 foi replicado. Estados-nações como Chile e Argentina enviaram emissários ao território norte-americano para entender como o governo lidava com as questões indígenas. O Japão fez o mesmo quando conquistou a ilha norte de Hokkaido”.

Ainda de acordo com os pesquisadores, essa repetição trágica acontece pelo que Gigoux chama de “ideal darwinista”. É que, segundo a teoria da evolução de Charles Darwin, apenas os mais adaptados prevalecem. Assim, é natural pensar que certas comunidades são extintas em nome do progresso e da evolução. “Mas não há nada de natural na exterminação dos povos indígenas”, sentencia o professor.

O uso dos verbos no tempo presente não é nenhum descuido dos professores. Para ambos, o processo de colonização ainda está em curso. “O colonialismo ainda existe. Quando você se coloca na perspectiva de um indígena, o colonialismo está presente todos os dias, uma vez que ele está em um cenário colonial. É assim que eles se definem, é assim que lutam pelo que é certo, é assim que olham para frente. Portanto, olhar para o colonialismo e relegá-lo ao passado e à história é um desserviço à realidade dos povos indígenas em todo
o mundo”, defende Gigoux.

O docente acrescenta ainda que existe um padrão secular do processo de colonização, ainda em andamento, que envolve posse, controle e exclusão. A única forma de mudar essa realidade a fim de reparar minimamente os danos causados aos povos originários nos Estados Unidos é através da política, em uma discussão que inclua, e não apenas imponha.

“Tive a oportunidade de visitar mais de 400 comunidades tribais americanas, o que pouca gente pode fazer. Em todas elas, percebi que a noção de identidade vem da terra. Há comunidades, por exemplo, que se reconhecem como ‘o povo da maré alta’, ‘o povo dos pinheiros altos’ ou ainda ‘o povo das montanhas sagradas’. Como ficam essas pessoas se o rio foi contaminado ou se as árvores forem cortadas? Os nativos americanos precisam ter acesso e soberania sobre seu território”, afirma Makita.

Prestes a assumir a Casa Branca em 20 de janeiro, Joe Biden fez promessas de restaurar as demarcações indígenas, de combater a violência contra populações nativas vulneráveis e ainda assegurar melhor assistencialismo médico e educacional.

Paralelamente, seis lideranças nativas vão participar ativamente da vida política do país. Três candidatas democratas e três candidatas republicanas, que também pertencem a povos originários, foram eleitas deputadas e estabeleceram um novo recorde: nunca a liderança indígena teve tantos representantes no Congresso.

Com um mandato de apenas dois anos, é pouco provável que as deputadas consigam provocar mudanças profundas de uma violência sistêmica que acontece há 500 anos. Até porque, como disse ao Brasil de Fato o historiador Alan Taylor, “as consequências da colonização não vão embora rapidamente. Nós viveremos com isso por muito tempo”.

Se não é possível comemorar ou dar graças por grandes avanços concretos, os povos indígenas e os pesquisadores se apoiam no otimismo de saber que, pelo menos entre a sociedade, essa discussão está amadurecendo. Quem sabe, num futuro não muito distante, além da cerimônia de “perdão” a um peru, a Casa Branca não institucionalize também uma homenagem anual para pedir perdão e reconhecer os sacrifícios dos povos que não precisaram conquistar nada e nem ninguém para pertencer.

Eloá Orazem
Brasil de Fato | Los Angeles (EUA)