Na semana em que a hashtag #NotMyKing foi das mais usadas nas redes sociais, as detenções de pessoas empunhando cartazes contra a monarquia reabriram o debate sobre a liberdade de expressão no Reino Unido.
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                Protesto em defesa da liberdade de expressão em Edimburgo. Foto Climate Camp Scotland/Flickr

 

 

A morte da rainha Isabel II preencheu o quotidiano mediático das últimas semanas e não faltaram críticas à quase ausência de vozes anti-monárquicas nas incontáveis horas de debate e comentário nas televisões britânicas sobre o presente e futuro da monarquia. Nas ruas, as vozes de protesto que se ouviram acabaram por ser notícia pela sua detenção, normalmente justificada pela polícia britânica com a necessidade de “prevenir uma perturbação da paz”. Em Londres e Edimburgo, duas mulheres acabaram detidas por empunharem cartazes onde se lia “Not My King” e “Fuck imperialism, abolish the monarchy”. Em Oxford, um ativista foi algemado após ter gritado “Quem o elegeu?” no momento da proclamação do sucessor no trono.

Outros ativistas em Edimburgo recorreram a um protesto que correu o mundo em fevereiro a partir de Moscovo: juntaram-se com uma faixa em branco e folhas A4 vazias, sendo imediatamente rodeados por polícias. Um advogado, Paul Powlesland, foi abordado pela polícia junto ao Parlamento britânico por ter uma folha em branco, onde pretendia escrever “Not My King”. O agente avisou-o que caso escrevesse isso, “podia ofender alguém”, o que o advogado considerou um “escândalo”.

 

 

Umas das jovens que participou no protesto com as folhas em branco acabou por ser seguida após a manifestação por dois agentes da polícia e filmou-os em duas ocasiões em que os confrontou, com um dos polícias a responder sorridente “Se nos disseres para onde vais, deixamos-te em paz”. O vídeo fez furor nas redes sociais e o ministro escocês da Segurança Social, Ben Macpherson, anunciou ter questionado a direção da polícia e o seu colega da Justiça sobre o episódio.

 

 

Manifestantes “só estão a exercer o seu direito à liberdade de expressão”

Para o jurista britânico David Mead, não é fácil para a polícia justificar a intervenção em situações destas. E ficou mais difícil desde 2013, quando a referência a “linguagem insultuosa” desapareceu do artigo da lei, com o argumento de reforçar a proteção à liberdade de expressão. Nos casos agora em apreço, “os manifestantes podem alegar que só estão a exercer o seu direito à liberdade de expressão de acordo com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, o que lhes permite argumentar com a “conduta razoável” que a lei britânica prevê para não punir estes protestos.

A intervenção policial seria justificada caso a polícia tivesse razões para crer que a situação iria resultar em violência, o que em nenhum dos casos aconteceu. Mas também aqui surge a questão: “quem devem eles prender? Os que gritam e empunham cartazes ou os que estão na fila a ficar irritados e que podem tornar-se violentos”?, pergunta o jurista.

A maior organização antimonárquica britânica condenou as detenções dos ativistas que exerceram o seu direito à liberdade de expressão. “A liberdade de expressão é fundamental para qualquer democracia. Numa altura em que os meios de comunicação social estão saturados de bajulação por um rei nomeado sem discussão ou consentimento, é ainda mais importante”, afirmou a Republic em comunicado. A organização diz que irá transmitir a sua preocupação às forças policiais e promete organizar protestos na coroação de Carlos III, prevista para o próximo ano mas ainda sem data marcada. A Republic pretende que eles decorram de forma pacífica e sem repressão policial.

“Apesar da cobertura em todos os canais, em que a monarquia esteve em debate sem que as vozes republicanas fossem ouvidas, os republicanos estão a ser mobilizados pela subida de Carlos ao trono”, refere a organização, considerando que “Carlos pode ter herdado a Coroa, mas não herdou o respeito e a estima concedidos à sua mãe”.

“Não estamos à espera que as vozes republicanas sejam ouvidas na cobertura da morte da rainha, mas a cobertura da proclamação de Carlos é um assunto muito diferente”, queixa-se a Republic, invocando a seu favor as sondagens que indicam um apoio à monarquia a cair de 75% para 60%, com mais de um quarto da população a favor da abolição e muitos milhões sem opinião formada. “Esta complexidade da opinião pública tem estado ausente da cobertura mediática”, lamentam.