A proposta a ser debatida no parlamento chinês na próxima semana permite às agências de segurança chinesas criar bases e intervir no território, acabando na prática com o princípio “um país, dois sistemas”.
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Membros do partido Demosisto distribuem panfletos contra a nova Lei de Segurança Nacional chinesa esta sexta-feira. Foto de Jerome Favre/EPA/Lusa.
Membros do partido Demosisto distribuem panfletos contra a nova Lei de Segurança Nacional chinesa esta sexta-feira. Foto de Jerome Favre/EPA/Lusa.

 

Li Keqiang, o primeiro-ministro chinês, anunciou na abertura da sessão anual do Congresso Nacional Popular, o parlamento chinês, uma nova lei de segurança nacional. Contra o terrorismo, o separatismo, a subversão do poder do Estado e a interferência estrangeira. Sobretudo contra o movimento pró-democracia e o próprio estatuto de autonomia de Hong Kong, afirma o movimento pró-democracia deste território.

Um dos pontos que torna mais explícitas as intenções de Pequim é a proposta do governo chinês de poder criar bases dos seus serviços secretos e agências de segurança em Hong Kong, dando-lhes assim um poder de intervenção até agora reservado ao governo local.

Segundo a Reuters, que teve acesso ao esboço do documento, apesar de este dizer pretender salvaguardar a “alta autonomia” de Hong Kong , ao mesmo tempo garante a “jurisdição global” do governo central e prevê que “quando necessário, órgãos relevantes de segurança nacional do Governo Popular Central montarão agências” no território.

 

Manifestantes num centro comercial em Hong Kong. Maio de 2020. Foto de JEROME FAVRE/EPA/Lusa.

 

Esta “possibilidade” é na prática um golpe fatal na autonomia de Hong Kong e no princípio “um país, dois sistemas” que esteve na base da sua devolução e de Macau à soberania chinesa. A chamada “mini-constituição”, nomeadamente no seu artigo 23, delimita a aplicação das leis de segurança nacional “por si só” às entidades sob jurisdição do governo local. E, pela primeira vez desde que tomou posse, o primeiro-ministro não lhe fez qualquer referência no relatório de trabalho apresentado ao Parlamento, uma omissão considerada significativa.

Em 2003, uma tentativa do governo de Hong Kong de então para criar uma lei de segurança mais consentânea com os interesses do Partido Comunista Chinês falhou, devido aos protestos massivos nas ruas. Agora, a aprovação a partir no parlamento chinês na próxima semana de uma resolução que autoriza a Comissão Permanente deste órgão a aprovar uma lei deste género, é visto como uma provocação sem precedentes que está a incendiar já os ânimos do movimento pró-democracia.

 

Manifestante em Hong Kong. Foto de Red Flag.

 

Carrie Lam, a governante em funções apoiada por Pequim, apesar de completamente ultrapassada pelo governo central, declara o seu apoio à medida e “cooperação completa”, tendo considerando que “sem dúvida se encaixa nas competência das autoridades centrais”, que “não afeta os direitos legítimos e liberdades” em vigor e que apenas pretende acabar com as atividades ilegais que estão a perturbar a vida normal no território e a ameaçar a segurança nacional.

O fim de Hong Kong?

O movimento pró-democracia não apenas não concorda como chega ao ponto de falar no “fim de Hong Kong”. O especialista em direito da Universidade de Hong Kong Eric Cheung é um dos que reitera que se trata “essencialmente de declarar diretamente que o “um país, dois sistemas” é nulo e um falhanço”.

 

Protesto em Hong Kong em julho de 2019. Foto de Studio Incendo/Flickr.

 

O mesmo que dizem os deputados deste campo político no parlamento local: a deputada do Partido Cívico da região, Tanya Chan, citada pelo South China Morning Post, que acrescenta que o governo chinês “não suporta verdadeiramente as liberdades e direitos que temos em Hong Kong, por isso tentam tirar-nas o mais depressa possível.” E Wu Chi-wai, líder do Partido Democrático, alinha pelo mesmo diapasão.

Joshua Wong, um estudante que fez parte do movimento dos guarda-chuvas de 2014 que ficou famoso internacionalmente devido a um documentário da Netflix e que fundou um partido chamado Demosisto, escreveu na sua conta de Twitter que “Pequim está a tentar silenciar as vozes críticas de Hong Kong pela força e através do medo” mas jura que estas irão continuar, nomeadamente “a fazer lobbying a nível internacional e a dizer ao mundo inteiro a verdade sobre o autoritarismo da China”, sem medo das acusações de serem coniventes com interferências estrangeiras.

Para além dos líderes políticos dos partidos institucionais, os apelos a novas manifestações, flash mobs e outro tipo de ações reivindicativas circulam já pelos meios habituais de convocatória. Pelo que se espera que este momento não seja o fim do movimento que tem colocado nas ruas centenas de milhares de manifestantes.

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