Quando a seleção francesa desfilou em Paris, comemorando o Mundial, alguém lembrou que seria mais África do que o país da bandeira. Naturalmente, a diferença só importaria se se admitisse que a escolha dos jogadores se faz pela sua origem ou que esses imigrantes não fossem hoje cidadãos franceses de pleno direito. O ponto é este: a equipa da França desfilou como é, com africanos e caucasianos de várias origens. O mesmo se diria da Rússia, de Portugal ou de quase todas as outras seleções. Os imigrantes somos todos nós, no futebol como em toda a vida social.
Roberto Savio, um jornalista italiano, escreveu recentemente sobre estes paradoxos da imigração. No caso do seu país, as sondagens indicam que a perceção popular identifica uma presença de imigrantes formando um terço da população, quando não são mais de 10%, dos quais só um terço muçulmanos, que são o alvo dos ataques mais violentos. Além desses dados, a chegada de imigrantes é cada vez mais reduzida: em 2018, até agora, foram 50 mil (mas mil já morreram no Mediterrâneo), em 2017 tinham sido 187 mil, mas em 2015 e 2016 tinham chegado por ano mais de um milhão de pessoas (1,328 e 1,260 milhões, respetivamente). Ou seja, o Governo com a extrema-direita instala-se precisamente quando a chegada de imigrantes é mais reduzida.
O mesmo acontece na Alemanha. É precisamente quando os imigrantes já não chegam à fronteira que a extrema-direita ultrapassa o partido social-democrata e, nas próximas eleições na Baviera, pode alcançar a CSU. O diário da cidade, o “Suddeutsche Zeitung”, faz a conta: em Munique, a terceira cidade da Alemanha, com 1,4 milhões, só vivem 32 mil muçulmanos. Mas a pressão dos neofascistas desencadeou uma crise na coligação do Governo, ameaçando Merkel. O medo tornou-se a arma política mais importante na Europa, e chegamos ao ponto em que a Áustria, na presidência do Conselho Europeu, realiza um exercício militar na fronteira com a Eslovénia para treinar como repelir imigrantes.
William Swing, o diplomata norte-americano que foi diretor da Organização Mundial de Migrações antes de António Vitorino, alertou para o efeito deste medo: ele pode matar. Do ponto de vista económico, Swing citava um estudo das Nações Unidas calculando que “só 3,5% da população mundial são migrantes, mas produzem 9% da riqueza total, o que é mais do que se tivessem ficado em casa”. Mas o medo é que manda na política que manda.
Artigo publicado no “Expresso” de 28 de julho de 2018