Quatro mísseis anti-tanque Javelin e outras armas de fabrico norte-americano foram encontrados numa base controlada pelas milícias de Khalifa Haftar, antigo general líbio e senhor da guerra que tenta retirar de Tripoli o governo da Líbia reconhecido pelas Nações Unidas. Começa assim uma novela na qual não é possível encontrar o responsável por fornecimentos de armamento que viola o embargo internacional em vigor.

 

As hostes de Khalifa Haftar ao ataque

 

As forças de Khalifa Haftar, baseadas em Benghazi desde 2017, controlam cerca de dois terços do território líbio, incluindo as principais zonas petrolíferas. Apesar disso, não conseguiram apropriar-se ainda de Tripoli, onde reside o governo reconhecido pela ONU mas que tem uma limitada influência num país fraccionado e vivendo no caos desde que a NATO derrubou Muammar Khaddafi e levou os fundamentalistas islâmicos até à capital.

A ofensiva de Haftar a caminho de Tripoli provocou pelo menos mil mortos durante as últimas semanas e agrava os problemas humanitários no país, devido ao cerco que mantém contra a capital.

Khalifa Haftar viveu alguns anos nos Estados Unidos e parecem ser fundamentadas as suspeitas sobre os seus laços estreitos com a CIA. O aparecimento de armas norte-americanas em poder das hostes do antigo general pode traduzir uma consequência natural dessa cumplicidade.

Entra a França

Os Estados Unidos, porém, negam ter fornecido armas ao senhor da guerra líbio. O Departamento de Estado investigou as origens dos engenhos através dos números de série e alega que fazem parte de um lote vendido em 2010 à França.

Ora a França é um dos países habitualmente citados entre os que apoiam Khalifa Haftar, designadamente devido à comprovada assistência militar que providenciou às hostes do antigo general durante o assalto a Benghazi, que se prolongou entre 2014 e 2017. Em 2016, três soldados membros das forças especiais francesas morreram em consequência da queda de um helicóptero nos arredores desta cidade. Um grupo terrorista islâmico entre os que, na altura, ainda controlavam as zonas onde hoje Haftar tem o seu quartel-general reivindicou a autoria da operação.

Um ano depois, a França informou formalmente as Nações Unidas de que o seu envolvimento militar na Líbia respeitava o direito internacional. O eventual fornecimento das armas agora identificadas desmentiria essa declaração, uma vez que violaria o embargo internacional.

Paris, porém, garante que também não forneceu as armas em causa a Khalifa Haftar.

E agora os Emirados

No quadro das tentativas para apurar as origens das armas verificou-se que as referências contidas nos contentores que transportaram os mísseis anti-tanque permitem concluir que um dos seus destinos foram os Emirados Árabes Unidos.

Uma conclusão que nada tem de surpreendente. Os Emirados também estão identificados entre os países que apoiam as hostes de Khalifa Haftar – e até com armas pesadas como helicópteros de ataque, aviões militares e drones.

Os Emirados Árabes Unidos alegam, porém, que isso aconteceu durante os combates por Benghazi, pelo que nada têm a ver com os mísseis e outros engenhos de morte agora descobertos em poder do senhor da guerra.

Pelo que, em termos oficiais, continua a ignorar-se quem fornece militarmente o antigo general que mantém o cerco a Tripoli.

Reconhecidos apoiantes como os Estados Unidos, a França e os Emirados Árabes Unidos negam essa possibilidade. O certo é que as armas existem e alguém as ofereceu ou vendeu.

Provavelmente nunca chegará a saber-se quem foi, tal como numa miríade de casos como este espalhados pelo mundo. O negócio das armas é uma roleta de morte que, por maioria de razão, tem no segredo a sua alma.

Neste caso específico já é importante saber, se outras informações não houvesse, que as portas do negócio foram abertas por uma entidade acima de qualquer suspeita – a NATO – que transformou a Líbia num paraíso para mil e um tráficos, desde as armas aos seres humanos, passando pela formação e exportação de mercenários terroristas.

Louise Nyman, Tripoli

O Lado Oculto