A saga de Novak Djokovic na Austrália tem sido seguida quase ao minuto por muitos órgãos de informação. É evidente que há uma notícia – seja qual for o motivo – quando o n.º1 do mundo do ténis é impedido de entrar num país onde deveria participar numa competição profissional. A juntar a esta notícia há também o que parece ser uma “história mal contada” por parte de Djokovic (esteve ou não infectado com covid19 e quando? Tem ou não uma prescrição médica que o isenta de vacinação?). Fez declarações que mais tarde corrigiu e pediu desculpa. Depois, há ainda os zigue-zagues da Austrália: entra-não-entra; tem-visto-não-tem-visto; é ou não deportado; pode ou não competir…
Como também parece evidente, há uma “apetência” dos órgãos de informação por tudo o que está relacionado com a covid19 e, se envolver uma figura pública, tanto melhor. É por isso que assistimos, a nível internacional, a um acompanhamento deste caso completamente desproporcionado para a importância que realmente tem, a não ser que essa importância seja determinada pelo poder do Ténis internacional e por tudo o que a ele está associado em termos de negócio global.
Mas o caso de Novak Djokovic teve uma virtude. Imprevista, é certo, mas levou-nos a outro caso, esse sim a merecer a atenção que não tem tido: o caso dos refugiados retidos (posso dizer presos?) na Austrália. Felizmente houve quem soubesse aproveitar a presença de Djokovic no Hotel agora centro de detenção para chamar a atenção para as outras pessoas aí detidas, algumas há cerca de nove anos. A Austrália recebeu recentemente refugiados afegãos, é verdade, mas a política do país em termos de Direitos Humanos deixa muito a desejar e as Nações Unidas têm chamado a atenção para as políticas de imigração australianas que punem os refugiados de uma forma extremamente severa e desumana, atirando-os para centros de detenção onde a condição humana fica em suspenso. Será útil nessa matéria o livro de Behrouz Boochani, “No Friend but the Mountains”, traduzido (mal) na edição portuguesa para “Sózinho nas Montanhas” (o autor é curdo do Irão).
Nas proximidades do “hotel” onde Novak Djokovic esteve (ou está) surgiram cartazes a alertar para os refugiados aí detidos: “Libertem os Refugiados”, “Novak, fala pelos teus companheiros prisioneiros”, “Vão lembrar-se dos nossos amigos depois de Novak ir embora no jacto privado?”, “Abolição dos Centros de Detenção”, “Djokovic chateado há dois dias/refugiados desesperados há nove anos”, “Libertem-nos, libertem-nos a todos”. Algumas das frases que os activistas dos Direitos Humanos levaram até ao local onde Djokovic esteve (está?) detido para lembrar que há outros detidos (presos) de quem ninguém se lembra. Agora ainda foi possível ler, ver e ouvir notícias sobre estes refugiados, mas duvido que tal continue logo que Djokovic diga adeus à Austrália.
E aqui chegados, o jornalismo tem muita responsabilidade. Não se trata de retirar importância ao desporto (este caso toca essa área, mas podia ser na política, na economia ou na cultura…). Não se trata de pedantismo ou da defesa de uma informação elitista que despreze o que agrada ao grande público. Trata-se apenas de alocar tempo e recursos ao que é importante e não ao que é fácil e interessante para as vendas e para as audiências. Trata-se de dizer que os recursos e o tempo gasto com coisas que podendo ser muito interessantes não têm qualquer importância na nossa vida, deviam ser aplicados em assuntos realmente importantes. E não há nada mais importante do que os Direitos Humanos. Um jornalismo mais responsável e menos deslumbrado com alguns protagonistas e alguns interesses, seria um jornalismo muito melhor, mais próximo da sua verdadeira função e, certamente, um forte obstáculo a muita aldrabice política. O Mundo seria melhor.