O autor do tiroteio massivo em El Paso, Texas viajou mais de 10 horas da casa dos seus pais (em Allen, Texas) até o local onde realizou seu objetivo bem planejado: assassinar a maior quantidade possível de mexicanos que encontrasse em um supermercado Walmart, numa manhã de sábado. Patrick Crusius sabia bem das suas motivações.

 

 

Essas ações acontecem dentro de uma maquinária bem financiada. Em maio passado, foi erguido um muro em uma terra privada, a poucos metros da fronteira, em Sunland Park, onde Benvie e seus seguidores estiveram perambulando. São terrenos de uma empresa fabricante de tijolos, propriedade de George Cudahy e Jeff Allen, personagens de certa influência na comarca. O projeto foi financiado por doadores de todo o país, através da companha We Build the Wall (“nós construímos o muro”), fundada por Ken Kolfrage e conformada por um conselho de administração no qual figura Steve Bannon, o guia da ideologia que levou Donald Trump à Casa Branca e Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, entre outros mandatários eleitos nos últimos anos. Segundo Debbie Nathan, o paramilitar Benvie foi o intermediário entre Kolfrage e os terra-tenentes locais.

We Build the Wall arrecadou 22 milhões de dólares através de uma campanha de financiamento aberta na Internet, e com isso contrataram os trabalhos da empreiteira Fisher Enterprises. Após finalizar a obra, organizaram um simpósio, no qual Bannon esteve presente. Explicaram com orgulho os avanços na construção. O tom das suas palavras é assustadoramente parecido ao de Crusius em seu manifesto dedicado a discutir as características e limitações do armamento que decidiu usar no massacre que estava prestes a realizar. Durante o simpósio, Tommy Fishher descreveu sua maquinária e mão de obra como um operativo militar. O qualificou como “nosso pequeno Dia D”. Outro indivíduo identificado somente como Foreman Mike foi mais claro: “essa gente não vem aqui para beijar a sua irmã, e sim para causar problemas e para roubar o seu dinheiro. Isso tem que acabar. Vocês, os patriotas americanos, são os que estão liderando este ataque”. Se referia a Benvie e Aguero, a alguns outros seguidores que os escutavam, em uma carpa instalada ao lado do trecho de muro recém construído, e também a milhares de pessoas que os seguiam por videostreaming. Ele concluiu sua fala dizendo que “este é somente o primeiro tiro”.

O ocorrido em El Paso é consequência lógica de um elaborado esforço por expressar um discurso de ódio em sentido pleno. Crusius talvez tenha sido um atirador solitário, mas sabia que atuava em nome de uma missão que representava a muitos. O peso da lei cairá sobre sua cabeça, em um Estado bárbaro onde ainda existe a pena capital, mas deve ficar claro que não foi ele que deu o primeiro tiro.

Willivaldo Delgadillo (Professor da Universidade do Texas, em El Paso, novelista, ensaísta e tradutor)

*Publicado originalmente no La Jornada | Tradução de Victor Farinelli para Carta Maior