Relatório da Provedoria de Justiça afirma que Portugal é o segundo país europeu em que os reclusos passam mais tempo na prisão. O documento, relativo à atividade em 2019, alerta ainda para falta de guardas prisionais e profissionais de saúde.
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                                                                Fotografia de Kim Daram/Flickr.

 

Segundo a Provedoria de Justiça, Portugal é o segundo país europeu com maior tempo médio passado por recluso nos estabelecimentos prisionais. Com um tempo médio de cerca de 32 meses, este valor é quatro vezes superior à média europeia (8 meses), tornando Portugal o segundo país europeu com maior tempo médio passado por recluso nos estabelecimentos prisionais, ficando apenas atrás do Azerbaijão.

A informação consta de um relatório no âmbito do protocolo do Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP) com a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, referente à atividade em 2019, e entregue agora pela Provedoria de Justiça na Assembleia da República.

Segundo o mesmo relatório, as prisões portuguesas têm uma falta grave de recursos humanos, necessitando de mais guardas, médicos, técnicos e funcionários.

Além disso, também o número de presos por cada 100.000 habitantes continua elevado. Se a média europeia está em 106,1 reclusos por cada 100.000 habitantes, Portugal tem 125,2.

Este facto tem uma consequência direta no cenário de elevada ocupação das prisões portuguesas. Segundo o MNP, o ano de 2019 terminou com uma população prisional de 12.628 reclusos, o que representa uma ligeira redução de 111 reclusos (menos de 1%) em relação a 2018. Contudo, segundo a agência Lusa que teve acesso ao relatório, a estes números deverão somar-se 161 inimputáveis, internados em unidades fora do sistema prisional. Desta população total, cerca de 7% são mulheres.

 

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E se se pode dizer que existe uma elevada ocupação dos estabelecimentos prisionais, o termo “sobrelotação” não se aplica em termos globais uma vez que a lotação oficial do sistema prisional é de 12.934 lugares. Ou seja, em termos globais não existe sobrelotação, uma vez que a taxa de ocupação era de 98%.

Claro que isto não invalida que alguns estabelecimentos prisionais não ultrapassem de facto os 100% de lotação. São as prisões de menores dimensões as mais afetadas – neste setor, a taxa de ocupação é de 114%.

“Note-se que 22 dos 28 EP classificados com grau de complexidade de gestão médio estavam, no final de 2019, sobrelotados, chegando a taxa de ocupação a situar-se nos 160%, no EP de Torres Novas”, aponta o relatório citado pela Lusa.

O relatório conclui ainda que o parque prisional português é “bastante heterogéneo e carece de restruturação, de forma a evitar situações de sobrelotação e de condições de detenção desumanas e degradantes”.  A Provedoria de Justiça alerta ainda para a correlação existente entre a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais e o risco de maus tratos.

Mas as críticas ao sistema prisional não se ficam apenas pela lotação das prisões. Segundo o relatório do MNP, há uma situação “deficitária” em termos do número de profissionais de vigilância, estando ainda pior com algumas baixas médicas destes profissionais. No final de 2019 existiam 4.259 guardas prisionais.

“O rácio de cerca de três guardas prisionais para cada recluso pode parecer, no papel, como suficiente. Contudo, tendo em conta a rotatividade por turnos, o impacto das situações referidas de ausência por baixa médica, o diminuto número de guardas com posição de chefia e a discrepância entre EP nacionais, rapidamente se conclui que este número é, frequentemente e na prática, insuficiente face às necessidades das várias prisões nacionais”, diz o relatório. Também a falta de profissionais de saúde suscita “especial apreensão”.

Em Portugal a larga maioria (85%) dos reclusos é de nacionalidade portuguesa. A maioria cumpre condenação (82%).

Espaços de detenção de imigrantes em aeroportos são desadequados e sobrelotados

Segundo o mesmo relatório, os Espaços Equiparados a Centros de Instalação Temporária (EECIT) de Lisboa, Porto e Faro que acolhem imigrantes ilegais revelam-se “desadequados para permanências que vão além de poucos dias”.

Lembrando que o país tem apenas um Centro de Instalação Temporária (CIT) para detenção de migrantes, situado na cidade do Porto, resta para o resto do país os EECIT, todos a operar nas zonas internacionais dos aeroportos, onde ficam os estrangeiros cuja entrada no país é recusada, bem como os requerentes de asilo aos quais se aplica a detenção.

 

Sede do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
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A provedoria de Justiça qualifica as “condições e desafios” que caracterizam cada um destes locais de detenção como “extremamente diversos” e embora todos eles possam acomodar pessoas durante o período máximo permitido por lei (60 dias), os EECIT continentais (Lisboa, Porto e Faro) apresentam ocupação constante e “todos eles são desadequados para permanências que vão para além de poucos dias”.

Segundo a Lusa, ainda em 2019, a Provedora de Justiça consultou várias instituições pertencentes ao Grupo de Trabalho em Migrações e Direitos Humanos da Rede Europeia de Instituições Nacionais de Direitos Humanos (ENNHRI), para aferir dos casos de detenção de migrantes em centros localizados nos aeroportos, ficando a saber que todos os países consultados “apenas detêm imigrantes em tais espaços durante um período máximo de 48 horas”.

 

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“Não sendo possível ou admissível reembarcar os estrangeiros findo esse período, todos eles são encaminhados para centros de detenção localizados no interior do território nacional. Portugal assume-se, assim, no contexto dos países representados nesta Rede, como um caso excecional” entre 17 países, alerta o relatório do MNP da Provedora.

Falta de médicos na origem de queixas a nível nacional

O relatório aborda também matérias na área da saúde, educação e direitos dos cidadãos estrangeiros.

Na área da saúde, são os longos tempos de espera para consultas, a não programação de exames médicos a tempo de serem mostrados nas consultas seguintes, a recusa de inscrições nos centros de saúde ou unidades de saúde familiar a origem da maioria das reclamações. Para a Provedora de Justiça, todos estes problemas estão diretamente relacionados com a falta de médicos.

A “falta de informação a respeito” de mecanismos que garante a igualdade de tratamento nos serviços públicos a cidadãos de determinadas nacionalidades sem autorização de residência também poderá estar na origem de muitas das queixas sobre o acesso ao SNS por cidadãos estrangeiros.

esquerda.net