Durante a campanha eleitoral de 2008, Barack Obama garantiu que fecharia a Prisão de Guantánamo, e que seria uma de suas primeiras medidas quando chegasse ao poder. Repetiu isso logo após assumir a presidência, em 20 de janeiro de 2009, mas não o fez. Em 2015, no penúltimo ano de seu segundo mandato, lamentou não ter fechado aquele campo de concentração do Século XXI. “Não o fiz porque, naquela época, tínhamos um acordo bipartidário de que deveria ser fechado. Achei que tínhamos um consenso e que faríamos com calma. No entanto, a política tornou-se dura e as pessoas começaram a se assustar com a retórica sobre Guantánamo. O mais viável era deixá-lo aberto”.
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(Maren Hennemuth/DPA)Créditos da foto: (Maren Hennemuth/DPA)

 

 

“Vamos defender os direitos daqueles que nós levamos à Justiça. E vamos fechar o centro de detenção de Guantánamo (…) Os Estados Unidos não vão torturar. Protegeremos os direitos das pessoas as quais somos responsáveis”. Palavra de Joe Biden.

“A lei proíbe o uso de fundos para transferir os presos de Guantánamo para custódia ou controle efetivo de certos países estrangeiros (…) também proíbe o uso de fundos para transferir detentos de Guantánamo para os Estados Unidos”. Palavra de Joe Biden.

Há um lapso temporal de quase 13 anos entre estas duas declarações. A primeira foi dita por Biden quando era vice-presidente de Barack Obama, durante a 45ª Conferência de Segurança de Munique, em 2009, perante líderes e representantes de 70 países.

A segunda é bastante recente. Foi expressada em um discurso do agora presidente Biden, em coletiva realizada em 27 de dezembro de 2021. Ao parecer, o mandatário está seguindo, passo a passo, o caminho trilhado por Obama.

Durante a campanha eleitoral de 2008, Barack Obama garantiu que fecharia a Prisão de Guantánamo, e que seria uma de suas primeiras medidas quando chegasse ao poder. Repetiu isso logo após assumir a presidência, em 20 de janeiro de 2009, mas não o fez. Em 2015, no penúltimo ano de seu segundo mandato, lamentou não ter fechado aquele campo de concentração do Século XXI. “Não o fiz porque, naquela época, tínhamos um acordo bipartidário de que deveria ser fechado. Achei que tínhamos um consenso e que faríamos com calma. No entanto, a política tornou-se dura e as pessoas começaram a se assustar com a retórica sobre Guantánamo. O mais viável era deixá-lo aberto”.

Mesmo assim, ciente de que a história lembraria seu descumprimento, em fevereiro de 2016 voltou a repetir que ainda pretendia fechar Guantánamo: “não quero transferir o problema para o próximo presidente, seja ele quem for. Se não resolvermos isso agora, quando o faremos? Vamos estender isso por mais 15, 20 ou 30 anos?”, perguntou.

Em 19 de janeiro de 2017, apenas um dia antes de deixar a Casa Branca, Obama enviou uma carta ao Congresso criticando o contínuo bloqueio ao projeto de lei para o fechamento de Guantánamo, e apelou, como já havia feito muitas vezes antes, ao pragmatismo econômico: “os custos de mantê-la aberta superam muito as complicações para fechá-la”.

O custo de manter a prisão aberta durante todos esses anos tornou-se um elemento vital no debate sobre o futuro da prisão, dando-lhe ainda mais importância do que a flagrante violação dos direitos humanos que ela acarreta.

A prisão mais cara do mundo

Guantánamo é sem dúvida a prisão mais cara do mundo. Com o número de prisioneiros que possui atualmente (39) guardados por 1,8 mil soldados, cada prisioneiro custa ao Pentágono 13 milhões de dólares, levando em conta o salário dos militares e civis, a infraestrutura existente, quartel, centro médico, cinema, refeitórios e lazer para as tropas, apresentações ao vivo de grupos country e rock trazidos dos Estados Unidos.

Mas, foi realmente bom espírito que impediu o fechamento, a suposta ingenuidade do governo Obama-Biden (2009-2017), sua tentativa de alcançar um acordo com o Partido Republicano para fechar Guantánamo, em vez de resolver a questão com um decreto?

O momento para isso foi em seus dois primeiros anos de mandato, antes das eleições legislativas de novembro de 2010, pois naquelas eleições, como era de se esperar, os republicanos triunfaram, reconquistaram eleitores, passaram a controlar a Câmara dos Deputados e fizeram um grande avanço também no Senado. Dessa forma, Obama encontrou cada vez mais obstáculos para cumprir suas promessas eleitorais.

E é um cenário que também pode se repetir agora com Biden, nas eleições legislativas de meio de mandato marcadas para novembro, caso o presidente continue perdendo pontos nas pesquisas nos próximos meses.

Governadores democratas contra transferência de prisioneiros aos Estados Unidos

O argumento que tanto Obama (naquela época) quanto Biden (agora) usam para justificar que a prisão de Guantánamo não pode ser fechada é uma meia verdade. Em 2009, o governo Obama-Biden não enfrentou a oposição só do Partido Republicano, mas também de vários governadores do seu próprio Partido Democrata, muitos dos quais se recusaram a permitir que prisioneiros de Guantánamo fossem transferidos para prisões de segurança máxima em seus respectivos territórios, alegando problemas de segurança.

Segundo os governadores à época, isso tornaria seus estados alvos de ataques terroristas – aí sim, reproduzindo o discurso dos congressistas do Partido Republicano.

Assim, o setor mais conservador do Partido Democrata foi aliado do Partido Republicano na resistência ao projeto de transferência de presos de Guantánamo aos Estados Unidos. Essa situação se repetiu quando Obama tentou criar uma comissão parlamentar de inquérito para buscar responsabilidades políticas e criminais pelos crimes cometidos pelo governo de George W. Bush em sua Guerra ao Terror.

O fato de vários parlamentares do Partido Democrata e até membros do governo terem somado sua rejeição à do Partido Republicano impediu a investigação e a criminalização do vasto plano do governo Bush para blindar legalmente a tortura sistemática de prisioneiros, os sequestros da CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), suas prisões secretas, os assassinatos, os muitos danos colaterais sofridos pela população civil no Afeganistão, Iraque e no Paquistão.

Sem dúvida, Barack Obama não é culpado de ter recebido, como herança da gestão de George W. Bush, uma péssima situação econômica e um contingente de 242 presos no exterior, em situação de total irregularidade. Porém, seja por falta de firmeza ou por não querer criar uma crise em seu próprio partido, ele não usou as ferramentas à sua disposição para acabar com aquela situação.

Obama não bateu na mesa com tanta força quanto muitos acreditavam que ele faria isso, considerando as ambiciosas promessas sociais e de direitos humanos que fez durante sua campanha eleitoral.

Com sua atitude, acabou colaborando para espalhar um manto de impunidade sobre os crimes cometidos durante os oito anos de Bush na Casa Branca, prolongando ainda mais o crescente nível de declínio moral dos Estados Unidos.

Apenas 8 dos 779 presos foram condenados pela Justiça Militar

Desde que o primeiro grupo de prisioneiros afegãos chegou a Guantánamo, em 11 de janeiro de 2002 (há 20 anos, portanto), um total de 779 homens, de 49 nacionalidades diferentes, passaram por aquela prisão. A maioria dos prisioneiros é afegã, mas também há sauditas, iemenitas e paquistaneses, com idades variando entre 13 e 89 anos, no momento da captura.

Durante as administrações de George W. Bush, 537 deles foram transferidos para seus países de origem ou para terceiros países, devido à fragilidade das denúncias contra eles. Os prisioneiros sofreram tortura física e psicológica por anos, e apesar de recuperarem a liberdade, não receberam sequer um pedido de desculpas, ou alguma compensação financeira.

Por sua vez, nos oito anos do governo Obama, outros 199 prisioneiros foram libertados ou transferidos. Trump concedeu esse benefício a apenas um preso, e Biden libertou apenas um, durante seu primeiro ano de mandato. Ainda há 39 presos que estão detidos há mais de uma década, 28 dos quais ainda não foram acusados por nenhum crime específico.

Durante esses 20 anos, pelo menos 9 prisioneiros “cometeram suicídio”, em circunstâncias estranhas. Em junho de 2006, 3 desses prisioneiros apareceram pendurados em suas celas, com as mãos amarradas nas costas. Centenas de prisioneiros fizeram longas greves de fome para protestar contra os maus-tratos que sofreram. Para mantê-los vivos, utilizaram tubos gastroesofágicos para alimentá-los à força.

Em todos esses anos, os tribunais militares de Guantánamo condenaram apenas 8 prisioneiros. Vários deles esperam há muito tempo para serem transferidos para diferentes países e outros são considerados “perigosos”, mas como não há provas contra eles, permanecem presos por tempo indeterminado.

Em 23 de junho de 2016, nos últimos meses de Obama no poder, o então Relator Especial das Nações Unidas sobre tortura, Juan Méndez, denunciou ao The New York Times que vinha tentando, desde 2004 (sob o governo Bush), obter uma autorização para ver os presos de Guantánamo, mas não teve sucesso, nem em governos republicanos nos democratas.

Como mencionado no início deste artigo, no último dia 27 de dezembro, o presidente Biden criticou o Congresso por não aprovar os fundos necessários para poder transferir alguns desses presos para outros países, e outros para penitenciárias de segurança máxima no território continental dos Estados Unidos.

Porém, dentro das próprias fileiras do Partido Democrata, dizem que tornar essa promessa realidade é uma simples questão de vontade política.

Donald Trump também enfrentou obstáculos no Congresso para aprovar os recursos federais necessários para continuar a construção do muro com o México, mas mesmo assim conseguiu contornar o problema retirando dinheiro de outros itens do orçamento.

Os setores mais progressistas criticam Biden, que responde criticando o Congresso por não autorizar os fundos necessário para o fechamento de Guantánamo. Porém, esse mesmo congresso aprovou a Lei de Autorização de Defesa Nacional, com um orçamento de Defesa de 760 bilhões de dólares para o ano de 2022 – 5% a mais que em 2021, apesar da retirada das tropas do Afeganistão. Dessa forma, ele aceitou as cláusulas específicas contidas nessa lei, que impem destinar parte dos recursos para transferir prisioneiros e fechar Guantánamo.

Essa lei vem sendo aprovada com as mesmas cláusulas desde 2009, quatro meses depois de Obama chegar ao poder, e isso se repetiu várias vezes em votações semelhantes, sempre com muitos deputados e senadores democratas votando a favor dela.

Em 2009, durante aqueles primeiros debates sobre o assunto, Obama fez um pedido de uma verba de 80 milhões de dólares para fechar a prisão de Guantánamo – de um orçamento total de 91,3 bilhões destinados a financiar as guerras no Iraque e no Afeganistão. No Senado, 90 democratas votaram contra, apenas 6 foram a favor.

Pressionam Biden a fechar a prisão “de uma vez por todas”

Quase 13 anos depois da votação de 2009 (quando era vice-presidente), Biden agora está sob crescente pressão para não seguir os passos de Obama nessa questão.

Em janeiro de 2021, 8 ex-relatores de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) fizeram uma declaração conjunta exigindo que Biden fechasse a prisão imediatamente: “Guantánamo é um lugar de arbitrariedade e abuso, tortura e maus-tratos, onde as leis estão suspensas e a Justiça é rechaçada”.

Enquanto isso, 24 senadores democratas exigiram que o presidente fechasse Guantánamo “de uma vez por todas”. Pouco depois, em maio passado, 78 personalidades políticas e acadêmicas aderiram ao pedido, além de 23 ex-chanceleres latino-americanos. “O fechamento seria uma mensagem clara e significativa ao mundo, e à América Latina em particular, já que é o território onde a prisão está localizada”, disseram em sua carta.

Em agosto passado, 75 parlamentares democratas pediram a Biden que fechasse a prisão por “representar uma traição fundamental aos nossos valores e ao nosso compromisso como país com o estado de direito”.

Em novembro passado, em um gesto sem precedentes, sete oficiais norte-americanos de um tribunal militar em Guantánamo publicaram uma carta denunciando a brutal tortura sofrida por um dos detidos, Majid Khan, capturado no Paquistão em 2003 e que ainda está preso, à mercê de agentes da CIA. Os altos oficiais militares descreveram esses maus-tratos como “uma mancha na fibra moral dos Estados Unidos”.

O depoimento de Khan ao tribunal tem 39 páginas e exemplifica claramente o que centenas de prisioneiros passaram naquela prisão militar dos Estados Unidos.

Avião que transferiu primeiros presos a Guantánamo partiu da base de Morón

A prisão da base naval que os Estados Unidos mantêm ilegalmente na Baía de Guantánamo, em território cubano, revela não só a hipocrisia moral da democracia estadunidense, mas também da União Europeia e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Em 11 de janeiro de 2002, apenas quatro meses após o início da invasão do Afeganistão promovida pelo triunvirato Bush-Blair-Aznar, os Estados Unidos transportaram o primeiro contingente de presos em um avião de carga militar daquele país asiático para a Baía de Guantánamo. Todos os detentos estavam acorrentados e encapuzados.

Nenhum dos aliados europeus objetaram quando os Estados Unidos decidiram, unilateralmente, transferir esses prisioneiros para um território sem lei, no qual não foram aplicadas as normas federais dos estadunidenses, e tampouco houve um reconhecimento dos capturados como prisioneiros de guerra, conforme o estabelecido pela Convenção de Genebra e pelo Direito Internacional Humanitário.

De fato, aquele primeiro grupo de 23 prisioneiros que chegou a Guantánamo fez uma escala na Espanha, em meio a uma viagem de mais de vinte horas, para que o Pentágono pudesse exibi-los com orgulho, em seus macacões laranja, acorrentados e ajoelhados ao sol pleno do Caribe, em frente às suas celas, com grades ao ar livre.

O voo RCH7502 das Forças Armadas dos Estados Unidos partiu da base de Kandahar, no Afeganistão, em 10 de janeiro, e chegou à Base Aérea de Morón de la Frontera às 2h (GMT) do dia 11. Os prisioneiros foram transferidos para um avião C-141, com o qual chegaram a Guantánamo às 18h50 (GMT).

Seria apenas a primeira escala do género em solo espanhol. Em seguida, houve outros voos semelhantes, com escalas em diferentes países da União Europeia, em aviões camuflados que transportam os prisioneiros clandestinamente, não só para Guantánamo, mas também para prisões secretas na Europa e em muitos outros países, para serem interrogados e torturados.

Esses eventos ocorreram há não muitos anos atrás. Ninguém pagou politicamente ou criminalmente por esses abusos nos Estados Unidos. Tampouco houve castigo na Espanha ou no resto da Europa, pela cumplicidade de anos, sem a qual os Estados Unidos não poderiam ter cometido essas violações aos direitos humanos.

Carta Maior