O conceito de Racismo Institucional foi definido pela primeira vez num livro famoso, mas pouco conhecido em Portugal, “Poder Negro: Políticas de Libertação”, escrito pelos lendários dirigentes negros Stokely Carmichael (1941-1998) e Charles V. Hamilton (1929). Aí se explica que o racismo pode tomar uma forma aberta ou pode actuar de forma dissimulada, através das instituições vigentes sem que para alcançar os seus resultados tenha de recorrer sequer a indivíduos racistas.

 

 

 

Os exemplos que dão são bem elucidativos:

”Quando um terrorista branco faz explodir uma bomba numa igreja negra matando cinco crianças esse é um acto de racismo individual, largamente condenado pela maioria dos segmentos da sociedade. Mas quando na mesma cidade – Birmingham, Alabama – quinhentos bebés negros morrem em cada ano por falta de electricidade em casa, por falta de comida, de habitação ou de cuidados de saúde, e milhares de outros são destruídos e mutilados fisicamente, emocional e intelectualmente pelas condições de pobreza e discriminação nas comunidades negras, isso é causado pelo racismo institucional”. 

O racismo institucional é impessoal, fruto do sistema capitalista vigente que coloca os negros em posição de pobreza, discriminação e segregação e que perpetua esse posicionamento social.

Entre nós, as políticas de segregação habitacionais – como as que criam autênticos guetos, como o famoso Bairro da Jamaica – e a Escola são as mais importantes instituições reprodutoras da pobreza e da discriminação. Os principais instrumentos do racismo institucional. Mas não os exclusivos.

Quer num caso como noutro, o sistema segrega e exclui sem que necessite de recorrer a linguagem abertamente racista nem a agentes racistas. Pelo contrário, apregoa que não olha a cores e que se os ciganos ou os negros não obtêm qualificações académicas mínimas é somente porque não querem. Faz o mal e acusa as vítimas. Sempre com a consciência tranquila de que “aqui não há racismo”.

O silenciamento da memória da História das minorias étnicas, o não reconhecimento da existência de minorias, a invisibilidade das minorias são igualmente instrumentos dessa política de racismo institucional.

Alguns pequenos exemplos ilustrativos permite perceber como tudo acontece.

Segunda Geração

Os jovens negros são quase sempre referidos como pertencendo a uma hipotética segunda geração de imigrantes, dando-se a entender que não são verdadeiramente portugueses.

No entanto, há notícia de negros na Península Ibérica muito antes da independência de Portugal. Nos relatos das campanhas dos cartagineses contra os romanos são referidos guerreiros negros.

Múltiplos historiadores atestam que em várias cidades portuguesas os negros representaram uma parte significativa da população em diversas épocas.

Grandes figuras das nossas letras e artes como Gonçalves Crespo, Almada Negreiros e tantos outros eram negros.

Como podem então ser os negros uma segunda geração? Não podem. Mas esse epíteto serve para os excluir do todo nacional.

Quem repete que os negros são uma segunda geração é um racista odioso e empedernido? Quem sabe que não é verdade e insiste na tecla sem dúvida que o será, mas os muitos que acreditam nesta propaganda e a repetem na maioria não o serão.

Feira do Livro em Belém

Para a recente Feira do Livro em Belém, exclusivamente dedicada a escritores lusófonos, foram convidados diversos autores para que pudessem divulgar a sua obra, autografar os seus livros. O critério de escolha, deixado ao livre arbítrio das editoras presentes, não incluía a exclusão racial. As editoras podiam decidir livremente quem levar. Não havia, pois, um crivo abertamente racista que excluísse os negros.

Mas o resultado final foi uma presença de apenas escritores brancos.

Este é outro exemplo do racismo institucional. Não é necessária uma regra racista explícita, quando instintivamente e em uníssono todos sabem quem convidar e quem não convidar.

Sem que a ninguém se possa dirigir o epíteto de racista, o sistema funciona para incluir uns e excluir outros.

Dados étnico-raciais

Como posso gerir um problema que não posso medir? Dificilmente, se não mesmo impossivelmente.

Quando se não têm dados sobre um problema nem o podemos definir com rigor, quanto mais identificar as suas causas e sobre elas agir com vigor para o resolver, ou pelo menos para o minorar.

Em Portugal, o Estado, através dos seus órgãos, nomeadamente o INE, recusa-se a recolher dados étnico-raciais, ao contrário de vários outros países que o fazem.

Minorias étnico-raciais

Portugal não reconhece nenhuma minoria étnico-racial. Porque não existem? Um simples passeio pelas ruas das cidades mostra o contrário, que existem. Portugal sempre foi um país de grande diversidade.

Mas ao não reconhecer as suas minorias Portugal recusa liminarmente conceder-lhes os direitos universalmente consagrados às minorias étnico-raciais.

Alguns países europeus reconhecem também grupos linguísticos ou minorias linguísticas. Portugal tem também um grande número de portugueses estabelecidos há séculos cuja língua materna é a língua caboverdeana.

Mas o que é uma minoria étnica? Trata-se de um grupo de pessoas com as seguintes características: a) estabelecido no território de um país; b) quantitativamente minoritário; c) com traços culturais, linguísticos ou étnicos diferentes da restante população, d) cujos membros procuram preservar essas características distintivas.

Assim facilmente se constata que ciganos e negros se incluem nesta definição. Existem, pois, minorias étnico-raciais em Portugal, mas não são reconhecidas.

Quer as Nações Unidas, quer a União Europeia estabelecem um conjunto de direitos a garantir às minorias. Vejamos alguns:

O Direito de usar a sua própria língua na esfera pública (i.e. nos serviços estatais, nomeadamente na Escola, nos hospitais, etc.)

O Direito à educação na sua língua nativa;

O Direito de estabelecer as suas próprias organizações políticas, nomeadamente os seus partidos políticos.

Na Europa, muitos países reconhecem minorias étnicas, garantindo assim os direitos desses seus cidadãos.

Em muitos países, os ciganos (roma) são reconhecidos como minoria e os seus direitos explicitados e garantidos legalmente. Em Portugal, não sendo considerados uma minoria não gozam dos direitos associados a esse estatuto.

O não-reconhecimento das minorias é outra forma de racismo institucional.

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto