Há um aumento do número de homicídios cometidos por policiais e uma grave crise na Amazônia. Para Michelle Bachelet, Alta Comissária De Direitos Humanos da ONU, o Brasil está retrocedendo em questões meio-ambientais

 

 

A agressiva retórica do presidente Jair Bolsonaro contra os direitos humanos foi colocada em prática pelo governo brasileiro e as autoridades regionais do país ao longo de 2019. Essa é a principal conclusão do relatório anual da organização Anistia Internacional, em um capítulo dedicado exclusivamente ao Brasil.

Para a Anistia, o país é palco de um “aumento no número de homicídios cometidos por policiais” e de uma “grave crise na Amazônia”, que afetou principalmente as comunidades indígenas. A entidade também citou tentativas do governo brasileiro de restringir as atividades de organizações não-governamentais, assim como fomentou o aumento de homicídios e ameaças contra defensores de direitos humanos.

Na mesma linha, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a ex-presidenta chilena Michelle Bachelet, acusou o Brasil de “retroceder em questões relativas à proteção ambiental”, e destacou sua preocupação com o aumento de “ataques e até assassinatos contra defensores dos direitos humanos, muitos deles líderes indígenas”.

Segundo a Anistia, as autoridades brasileiras “não deram uma resposta adequada a uma ampla gama de violações de direitos humanos. Pelo contrário, mantiveram um discurso abertamente contrário que incluía declarações destinadas a enfraquecer o sistema interamericano de direitos humanos”.

Nesse sentido, a organização destaca os decretos de segurança pública que contêm uma definição de autodefesa “muito generalizada e imprecisa”, que poderia ser usada para justificar excessos por agentes do Estado, além de regras que flexibilizaram as leis de posse de armas, ou as medidas que impedem a investigação dos crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).

Com relação às ações da força policial, a Anistia critica o discurso adotado pelas autoridades federais e regionais, especialmente no Rio de Janeiro, onde, por exemplo, 1.249 pessoas morreram por ação das tropas do Estado, entre os meses de janeiro e julho de 2019. A cifra significa 16% a mais do que em 2018, de acordo com uma investigação apresentada pelo Ministério Público fluminense.

A Anistia também atribui o aumento de mortes por ação de agentes do Estado ao consentimento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que autorizou “intervenções policiais militarizadas caracterizadas por altos níveis de violência policial, crimes de direito internacional e violações de direitos humanos”, justificada pela maior prioridade do governo estadual à chamada “guerra às drogas”.

Crise ambiental

Em outra seção, a Anistia denuncia a falta de políticas públicas “coerentes” por parte do governo brasileiro para interromper o crescente desmatamento e os incêndios que ameaçaram a Floresta Amazônica no ano passado, e que produziram cerca de 435 mil hectares foram queimados nos primeiros oito meses, de acordo com dados da ONG Instituto Socioambiental.

Para a organização, esses incêndios afetaram os meios de subsistência e a saúde das populações rurais e urbanas, especialmente as comunidades indígenas e afrodescendentes que vivem na região. “Os incêndios devastadores na Amazônia foram o sintoma de uma grande crise de desmatamento ilegal e confisco de terras”, destaca o estudo.

A legislação brasileira continha disposições “firmes” para a proteção dos territórios dos povos indígenas e reservas ambientais, mas Bolsonaro “tentou ativamente minar esses mecanismos de proteção”, observa a Anistia. De fato, o presidente cumpriu sua promessa de campanha, que era a de abrir a Amazônia para expandir a exploração agrícola e mineira no território.

Ao longo de todo o ano de 2019, o presidente foi visto atacando verbalmente as organizações ambientais, como no dia 21 de agosto, quando disse aos jornalistas, após a revelação do aumento de 82% nos incêndios florestais na Amazônia, que as organizações da sociedade civil eram as responsáveis %u20B%u20Bpelos incêndios. “Então, pode haver ação criminosa daqueles `óenegeiros´ para chamar a atenção contra mim, contra o governo do Brasil. Esta é a guerra que enfrentamos”, acusou Bolsonaro.

De acordo com o Conselho Missionário Indígena, entre janeiro e setembro de 2019, foram registradas 160 invasões de territórios indígenas, contra 109 em 2018, e 96 em 2017. Os homicídios de indígenas também aumentaram, de 110 em 2017 para 135 em 2018, e a Anistia vê uma tendência ascendente que, teme, poderia chegar a “números sem precedentes” no balanço final de 2019.

“Retrocessos importantes”

Mas Bolsonaro não apenas recebeu críticas da Anistia. A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, acusou o governo brasileiro de recuar em questões de meio ambiente e direitos humanos.

Bachelet falou sobre o tema nesta quinta-feira (27), durante a 43ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, Suíça. “A proteção do meio ambiente é fundamental para o gozo de todos os direitos humanos”, afirmou a ex-presidente chilena.

A respeito do Brasil, a Alta Comissária condenou “os retrocessos significativos nas políticas de proteção ambiental e os direitos dos povos indígenas no Brasil, incluindo ataques e até assassinatos contra defensores dos direitos humanos, muitos deles líderes indígenas”, e denunciou um atraso nas políticas de proteção às minorias.

*Publicado orignialmente em ‘Página/12‘ | Tradução de Victor Farinelli para Carta Maior