No dia 22 de Abril de 1993 o jovem negro de 18 anos, Stephen Lawrence foi atacado enquanto esperava pelo autocarro, numa paragem, e assassinado à facada por um bando de racistas brancos. Os racistas gabaram-se do seu criminoso feito a várias pessoas.

 

 

Apesar de os assassinos terem sido denunciados, identificados e presos para declarações, a polícia arquivou o caso. Um jornal corajoso, The Independent, pegou no assunto e trouxe-o para a opinião pública. O governo foi obrigado a nomear uma comissão de inquérito independente, não uma da própria polícia como por cá se fez recentemente.

 

 

Para dirigir o inquérito foi nomeado o escocês Sir William Macpherson, um respeitado juiz jubilado do Supremo Tribunal de Justiça. As conclusões do seu relatório imparcial sobre a polícia, publicadas em Fevereiro de 1999, foram claras: a polícia transformara-se numa instituição racista. Os assassinos acabaram julgados e foram condenados.

Erradicar o racismo institucional na Polícia

O relatório Macpherson concluía então que o falhanço da polícia em prender os assassinos se devia apenas ao racismo institucional prevalecente. De facto, com as provas e as denúncias que chegaram ao conhecimento da polícia a prisão dos criminosos poderia ter sido feita uns meros quatro dias após o assassinato. No entanto, a polícia não actuou e acabou por arquivar o caso.

Entre as 70 medidas preconizadas no Relatório para erradicar o racismo institucional na polícia londrina contam-se as seguintes:

1. Indicadores de Desempenho da Polícia que incluam:
a. Medidas para incentivar o público a apresentar queixa de incidentes racistas;
b. Número de incidentes racistas e número de prisões associadas a esses incidentes;
c. Políticas conhecidas de abordagem e revista de suspeitos;
d. Nível de recrutamento e de progressão na carreira de membros das minorias étnicas;
e. Formação em consciência antirracista.
2. Autonomia dos inspectores Internos para investigar tudo e todos no interior da polícia;
3. Fazer com que a composição étnica da polícia reflicta a da comunidade londrina;
4. Retirar a imunidade e o segredo, excepto em casos em que possa causar “danos significativos”, aumentando a transparência da actuação da Polícia.

Como se vê, medidas simples e concretas, não declaração genéricas de princípios. Medidas de desempenho e de avaliação, aumento dos poderes da inspeção interna, alterar a composição étnica da polícia e aumentar a transparência. Nada de protecção e louvor das funções da polícia. Que diferença para o discurso em Portugal.

Ao ter de publicar estatísticas dos casos de racismo e do número de prisões e condenações a polícia fica “obrigada” a agir. Ao não ter que o fazer, como em Portugal, fica “livre” para nada fazer no combate ao racismo.

Por outro lado, o Relatório define incidente racista da seguinte forma: “Um incidente racista é qualquer incidente que seja considerado racista pela vítima ou por qualquer outra pessoa”. A classificação de acto racista é da autoria da vítima e não da Polícia. Eis um grande avanço. Como se sabe, em Portugal quando alguém tenta queixar-se de racismo a polícia minimiza o incidente dizendo que ele não é racista.

Outras medidas incluíram a revisão do Manual de Boas Práticas da Resposta Policial a Incidentes Racistas seguido pela polícia. Era interessante saber se a Polícia portuguesa tem sequer um manual deste tipo e que instruções dá aos seus agentes neste campo.

Composição étnica da polícia

O Relatório revelava que, na Polícia Metropolitana, apenas 4% dos agentes eram de minorias étnicas quando a comunidade que serviam era composta por quase 20% de pessoas de minorias étnicas.

Esta supremacia branca no interior da Polícia permitia uma maior liberdade aos comportamentos racistas. Ela era, também, fruto de uma política de recrutamento racista.

Percebe-se assim que o Relatório recomendasse que a composição da polícia fosse um espelho da sociedade que serve.

Não se conhecem os dados em Portugal sobre este importante tema.

Medidas para a Sociedade

O Relatório Macpherson ia mais longe e fazia recomendações mais latas dirigidas à sociedade. Assim, recomendava que as escolas mantivessem um registo obrigatório dos incidentes racistas e que essas estatísticas fossem publicadas todos os anos.

 

 

Conclusão

Em face de queixas da comunidade negra sobre a actuação policial, o governo inglês não ignorou os factos, nem fez discursos grandes e eloquentes sobre a necessidade e os relevantes serviços da olícia, não concluiu antes de tempo pela “não generalização” dos incidentes, antes nomeou uma comissão independente dirigida por um magistrado jubilado de grande prestígio.

O Relatório desse juiz identificou um problema generalizado de racismo institucional e fez recomendações muito concretas para a resolução do problema.

Esta é uma forma justa e pragmática de resolver problemas sociais. Não os negar previamente, estudar, concluir e alterar o que for de alterar.

Um grande contraste com o recente caso do Bairro da Jamaica, em que num vídeo se vê a Polícia a agredir várias pessoas. Nada foi feito, muita conversa sobre os benefícios da polícia, selfies presidenciais e políticas, e apenas um simples inquérito interno que não pode investigar livremente, já que os políticos tiraram conclusões antecipadas (“não podemos generalizar”).

Um Relatório Macpherson, que generalizava e concluía que a policia londrina era institucionalmente racista, não é permitido entre nós, pois o poder político já revelou as conclusões – “não podemos generalizar”.

Eis porque em certas sociedades as coisas só mudam com rupturas como aquela que ocorreu no dia 25 de Abril.

Jorge Fonseca de Almeida

*Economista, MBA

Referências 

BBC (1999), Lawrence: Key recommendations, [online] http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/285537.stm, acedido a 20 de fevereiro 2019

Macpherson, Sir William (1999), Inquiry into the matters arising from the Death of Stephen Lawrence on 22 April 1993 to date, in order to identify the lessons to be learned for the investigation and prosecution of racially motivated crimes, [online] http://news.bbc.co.uk/hi/english/static/special_report/1999/02/99/stephen_lawrence/report/, acedido a 20 de fevereiro 2019.

O Lado Oculto