A jornalista Amy Goodman entrevistou Sarah Leah Whitson, a diretora da Democracy for the Arab World Now que acusa a monarquia saudita de várias táticas para procurar esconder os abusos dos direitos humanos.
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O Departamento de Justiça e o Congresso dos EUA estão a enfrentar apelos na imprensa para investigar os laços financeiros de Donald Trump com a Arábia Saudita. A última controvérsia centra-se num novo torneio de golfe que é propriedade do Fundo de Investimento Público soberano da Arábia Saudita. A presidência do fundo é do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. A nova liga pagou milhões a resorts de golfe detidos por Donald Trump, que apoiou publicamente a liga, tentando competir com a PGA.
O grupo Democracy for Arab World Now, conhecido como DAWN, está a liderar os apelos para que Trump seja investigado. O grupo também fez manchetes recentemente depois de ter revelado (link is external) que agentes do governo saudita se tinham infiltrado na Wikipédia para controlar informações sobre a Arábia Saudita e prenderam dois administradores da Wikipédia que publicaram conteúdos críticos sobre o historial dos direitos humanos do reino.

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                         Bin Salman e Trump na Casa Branca em 2017. Foto Shealah Craighead/Casa Branca

 

Para falar sobre isto e mais, juntamos-nos a Sarah Leah Whitson, diretora executiva da DAWN.

 

AMY GOODMAN: Bem, comecemos do início. Quando recorremos à Wikipédia para obter informações, quando estamos a ler sobre a Arábia Saudita, quem tem o controlo dessa informação? Explique o que ficou a saber e o processo judicial que instaurou.

SARAH LEAH WHITSON: Claro. Bem, o que aprendemos após o afastamento pela Wikimedia, em Dezembro de 2022, de 16 administradores e utilizadores no Médio Oriente, é que eles tiveram aparentemente uma infiltração por aquilo a que chamaram entidades externas. Conseguimos perceber que a infiltração foi por parte do governo saudita de administradores, utilizadores e editores que estavam sediados na Arábia Saudita e que aparentemente estavam a editar, publicar, apagar conteúdo relevante e importante para a Arábia Saudita de uma forma que promovia uma imagem positiva da Arábia Saudita e bloqueavam informação que parecesse crítica em relação à Arábia Saudita.

O que também ficámos a saber e juntámos as peças foi que dois antigos administradores na Arábia Saudita tinham sido detidos no mesmo dia e depois condenados a cinco e sete anos na Arábia Saudita, pelo que as nossas fontes nos dizem ser a sua recusa em publicar propaganda para a Arábia Saudita, e a descoberta do governo saudita de que tinham, de facto, publicado informações críticas sobre o país. Tudo isto se tornou muito mais aparente quando, em setembro de 2022, um procurador saudita aumentou a sentença de um desses administradores sauditas para mais de 30 anos de prisão. Assim, através deste esforço de pesquisa e investigação, basicamente, pudemos descobrir como o governo saudita tinha pressionado administradores e editores na Arábia Saudita a publicar conteúdos lisonjeiros e a proibir conteúdos críticos sobre o país.

JUAN GONZÁLEZ: Se estes dois administradores foram presos em setembro de 2020, que tipo de publicidade isso teve na altura? E levou dois anos para que a Wikimedia pudesse descobrir o que se estava a passar aqui?

 

 

 

SARAH LEAH WHITSON: Bem, esta é uma pergunta mais adequadamente dirigida à Wikimedia. Tudo o que sabemos sobre a Wikimedia Foundation, que supervisiona a Wikipédia, é que em dezembro de 2022 disseram que tinham lançado uma investigação com início em janeiro de 2022 e que o resultado dessa investigação foi que entidades externas tinham criado um conflito de interesses – estas são as suas palavras. Não mencionaram a detenção e prisão destes dois antigos administradores da Wikipédia. Numa declaração posterior, depois de termos divulgado a nossa investigação, eles mencionaram os dois administradores.

Mas na realidade, não está claro para nós se exigiram que o governo saudita os libertasse, ou se de alguma forma ajudaram ou apoiaram estes dois ex-administradores sauditas. Seria muito conveniente para a Wikimedia lavar as mãos deste assunto e fingir que a detenção e prisão destes dois homens não tinha a ver com o seu trabalho na Wikipedia, mas isso claramente não é verdade.

JUAN GONZÁLEZ: Também gostaria de lhe perguntar – apelou ao Departaento de Justiça para investigar as circunstâncias em torno dos pagamentos do Fundo de Investimento Público soberano da Arábia Saudita a empresas detidas pelo ex-Presidente Trump. Pode falar sobre a razão pela qual decidiu fazer esse apelo?

SARAH LEAH WHITSON: Claro. Basicamente, na sexta-feira da semana passada, há apenas alguns dias, um advogado da PGA Tours, que está envolvido em litígios tanto contra a LIV Golf como contra o Fundo de Investimento Público, revelou o conteúdo de um acordo de acionistas secreto em que, de facto, a LIV Golf é detida em 93% pelo Fundo de Investimento Público Saudita, que é, por sua vez, inteiramente controlado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. Esta é a primeira ligação direta de pagamentos diretos, basicamente, por Mohammed bin Salman ao Presidente Trump para eventos de golfe que a LIV Golf tem acolhido em vários resorts Trump.

Agora, ao abrigo da lei federal, as negociações, negociações comerciais, com um governo estrangeiro são claramente proibidas para altos funcionários, incluindo um presidente, enquanto estão em funções, mas não existem leis que proíbam tais negociações comerciais depois de deixarem o governo. O que não é claro e o que acreditamos que o Departamento de Justiça deveria investigar é até que ponto estas negociações, solicitações, etc., por Trump ou os seus agentes foram conduzidas com a Arábia Saudita e os seus agentes enquanto o Presidente Trump estava no poder.

Mas mais importante, o facto de não haver nenhuma lei que proíba um governo estrangeiro de pagar a um ex-presidente apenas meses depois de ele deixar o cargo, tal como os 2 mil milhões de dólares do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita pagos a Jared Kushner seis meses depois de ele ter deixado o cargo e os mil milhões de dólares que pagaram a Steven Mnuchin, antigo secretário do Tesouro, meses depois de ele ter deixado o cargo, mostra quão fracas são as nossas leis de conflito de interesses e os perigos a que isto sujeita a nossa democracia, dado o facto de os funcionários do governo poderem realmente saltar para a folha de pagamentos dos governos estrangeiros minutos depois de deixar o cargo. Isto tem de acabar.

AMY GOODMAN: E que tipo de apoio tem, quero dizer, no Congresso e noutros locais para expor isto e para fazer uma investigação? E se pudesse juntar isso com que aconteceu da última vez que a tivemos cá, o caso do juiz federal a arquivar a ação judicial movida pela noiva do jornalista Khashoggi, que escreveu para o The Washington Post e foi assassinado na Embaixada saudita em Istambul, na Turquia, a desistir da ação judicial, concedendo imunidade soberana à Mohammed Bin Salman?

SARAH LEAH WHITSON: Bem, no que diz respeito às investigações do Congresso que foram anunciadas até à data, a ex-Congressista Carolyn Maloney e a Senadora Elizabeth Warren anunciaram ambas que iriam investigar os pagamentos aos Affinity Partners de Jared Kushner e ao fundo de Steven Mnuchin por causa do conflito de interesses pelas razões que especifiquei. E temos muita esperança de que essas investigações sejam agora alargadas de modo a incluir os pagamentos à Trump Organization.

Claramente, os muitos, muitos favores que o Presidente Trump concedeu a Mohammed bin Salman, protecção extraordinária, sem precedentes e auto-admitida a Mohammed bin Salman e ao seu papel no assassinato de Jamal Khashoggi, parecem agora resultar em pagamentos diretos ao Presidente Trump e ao seu genro e ao seu secretário do Tesouro. Além disso, não se sabe.

Em termos do processo da DAWN contra Mohammed bin Salman, que foi recentemente arquivado devido ao reconhecimento pela administração Biden da imunidade soberana do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, penso que apenas reflete um padrão incessante de favores, proteção, todo o tipo de de favores e ajudas não só pela administração Trump, mas também pela administração Biden.

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Transcrição da entrevista de Amy Goodman e Juan Gonzalez no programa Democracy Now de 17 de janeiro. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net