Tribunal condena Estado como responsável por “violações de direitos humanos cometidas em detrimento de mais de seis mil vítimas, membros e militantes do partido político União Patriótica (UP) na Colômbia desde 1984 e por mais de 20 anos”.

 

 

Após quase trinta anos de litígio internacional, o tribunal superior do Sistema Interamericano de Direitos Humanos divulgou, nesta segunda-feira (30), a sentença do caso “Membros e militantes da União Patriótica vs. Colômbia”, emitida em 27 de julho de 2022. Segundo o tribunal, o Estado colombiano é responsável por “violações de direitos humanos cometidas em detrimento de mais de seis mil vítimas, membros e militantes do partido político União Patriótica (UP) na Colômbia desde 1984 e por mais de vinte anos”.

Entenda o caso

Em 28 de março de 1984, durante o mandato do presidente Belisario Betancur, os representantes do Estado colombiano e a direção das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) assinaram os “Acuerdos de La Uribe”. Os acordos de paz estipulavam o cessar-fogo e o compromisso do governo na promoção de reformas políticas, sociais e econômicas, condenavam os sequestros e o terrorismo com ambas as partes exprimindo sua vontade de pôr um fim a esse tipo de prática. As negociações definiram ainda que, um ano após o início das conversações de paz, seria preciso fornecer as condições que permitissem ao grupo guerrilheiro “organizar-se política, econômica e socialmente”. Foi aí que nasceu, em maio de 1985, um partido político: a União Patriótica (UP).

A União Patriótica representou uma novidade na cena política colombiana que arrebatou grande parte do eleitorado. A UP, com forte presença comunista, era uma frente ampla de oposição. O seu programa defendia formas de democracia mais reais e profundas, incluindo mudanças sociais que visavam ultrapassar a imensa desigualdade, característica da sociedade colombiana, e propunha ainda uma reforma constitucional. No entanto, setores do Estado, por meio das forças militares, dos corpos de segurança e dos grupos paramilitares, iniciaram uma política de extermínio sistemático contra militantes e dirigentes da UP.

Em 11 de novembro de 1988, por exemplo, quarenta militantes foram executados publicamente na praça central de Segóvia, departamento de Antioquia. Produzindo-se de maneira simultânea, estes homicídios coletivos prolongam-se no tempo. Contra os eleitos e os líderes da UP, é empregado o método do assassinato seletivo. Dois candidatos às eleições presidenciais, Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo Ossa, foram assim eliminados, respectivamente, em 1987 e 1990. Em 1994, a UP perde o seu último membro do Parlamento, com o assassinato do senador Manuel Cepeda Vargas. Centenas de prefeitos e representantes dos poderes locais foram mortos. Em uma mesma localidade assistiu-se ao assassinato sucessivo de quatro prefeitos integrantes do movimento.

A sentença

Segundo o tribunal superior do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, “o Estado da Colômbia é responsável pelas violações de direitos humanos cometidas em detrimento de mais de seis mil vítimas, membros e militantes do partido político União Patriótica desde 1984 e por mais de vinte anos”.

Embora o Estado já tenha reconhecido sua responsabilidade internacional neste caso, a Corte IDH considerou que continuam existindo numerosas controvérsias sobre a determinação do contexto dos crimes, o universo das vítimas e as violações dos direitos humanos.

A Corte IDH recordou que “como consequência de sua (da UP) rápida ascensão na política nacional e, especialmente, em algumas regiões com presença tradicional da guerrilha, surgiu uma aliança entre grupos paramilitares, com setores da política tradicional, a força pública e grupos empresariais, para barrar a ascensão política da UP. A partir de então, começaram os atos de violência contra os integrantes, simpatizantes e militantes da União Patriótica. A Corte pôde constatar a violência sistemática contra os membros e militantes da União Patriótica”.

Para a Corte IDH, esses atos constituíram um plano de extermínio sistemático contra o partido político UP, seus membros e militantes, “que contou com a participação de agentes do Estado, e com a tolerância e aquiescência das autoridades, constituindo crime contra a humanidade”. P

Por sua vez, as investigações sobre esses atos de violência não foram efetivas e foram caracterizadas por altos índices de impunidade.

Quanto à responsabilidade internacional do Estado, o tribunal superior caracterizou formas de responsabilidade direta “pela participação direta de agentes do Estado e atores não estatais, em diferentes momentos dos atos de violência contra os membros e militantes da União Patriótica, a partir de vários mecanismos de tolerância, aquiescência e colaboração para que isso aconteça”.

Por fim, a Corte IDH ordenou as medidas de reparação direta:

“a) iniciar, promover, reabrir e continuar, em prazo não superior a dois anos, e concluir, em prazo razoável e com a maior diligência, a investigações, a fim de estabelecer a veracidade dos fatos relacionados com graves violações de direitos humanos e determinar as responsabilidades penais que possam existir, e remover todos os obstáculos de fato e de direito que mantêm os crimes relacionados a este caso na impunidade;

b) realizar buscas para apurar o paradeiro das vítimas desaparecidas cujo destino ainda é desconhecido;

c) proporcionar tratamento médico, psicológico, psiquiátrico ou psicossocial às vítimas que o solicitarem;

d) publicar e distribuir esta Sentença e seu sumário oficial;

e) Praticar ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional;

f) instituir dia nacional em comemoração às vítimas da União Patriótica e realizar atividades para sua divulgação, entre elas em escolas e colégios públicos;

g) construir um monumento em memória das vítimas e dos atos cometidos contra os membros, militantes e simpatizantes da União Patriótica;

h) colocar placas em pelo menos cinco locais ou espaços públicos de homenagem às vítimas;

i) preparar e divulgar um documentário audiovisual sobre a violência e estigmatização contra a União Patriótica;

j) realizar uma campanha nacional na mídia pública com o objetivo de sensibilizar a sociedade colombiana sobre a violência, perseguição e estigmatização a que foram submetidos os dirigentes, militantes, membros e parentes dos membros da União Patriótica;

k) realizar fóruns acadêmicos em pelo menos cinco universidades públicas em diferentes partes do país sobre temas relacionados a este caso;

l) Apresentar ao Tribunal um relatório em que acorde com as autoridades da União Patriótica os aspectos a serem melhorados ou fortalecidos nos mecanismos de proteção existentes e como eles serão implementados, a fim de garantir adequadamente a segurança e proteção de dirigentes, membros e militantes da União Patriótica, e

m) pagar as quantias fixadas na Sentença a título de indenização por danos patrimoniais e imateriais”.

Vermelho