
Era uma voz respeitada entre o povo palestiniano e na televisão para a qual trabalhava. A jornalista estava identificada (colete à prova de bala com a inscrição “PRESS” bem visível) e (os excertos do relato de) Ali al-Samoudi, também jornalista, que estava com Shireen, e que também foi alvejado e ferido, relatou o que aconteceu:
“Nós íamos filmar a operação do exército israelita e de repente eles dispararam contra nós sem (antes) nos dizerem para irmos embora ou para pararmos de filmar”. “O primeiro tiro atingiu-me e o segundo atingiu Shireen. Eles (exército israelita) mataram-na a sangue frio”.
“Não havia qualquer resistência nem combatentes palestinianos armados no local”.
O exército israelita sabia da presença dos jornalistas. O chefe do Departamento de Medicina da Universidade Al-Najah, em Nablus, confirmou que Shireen foi baleada na cabeça.

A Al Jazeera e também a Autoridade Palestiniana acusam o exército israelita de ter assassinado Shireen Abu Akleh; o governo israelita diz que não há certeza quanto à origem do tiro e alimenta a suspeita de que poderão ter sido os próprios palestinianos. O primeiro-ministro israelita veio propor uma investigação em parceria com os palestinianos. A Autoridade Palestiniana recusou. Os Repórteres Sem Fronteiras exigem um inquérito internacional independente – a resposta que parece mais acertada.
Perante tudo isto, não há nenhum motivo para não acreditar no relato dos outros jornalistas que estavam no local (não era apenas Ali al-Samoudi) mas, conhecendo o “modus operandi” do exército israelita e a estratégia de comunicação na sequência de factos deste género, há todos os motivos para duvidar da narrativa israelita. Porquê? Porque já está gasta: lançam suspeitas, tentam devolver as acusações e inundam-nos com declarações em que não conseguem negar os factos, mas conseguem instalar a dúvida na opinião pública. Depois é esperar que o tempo passe até o caso cair no esquecimento. Tem sido sempre assim.
Os sucessivos governos de Israel esgotaram há muito a possibilidade de acreditarmos em algo que digam sobre este tipo de tragédias. Não, não é preconceito (e que ninguém venha com a conversa do anti-semitismo…), são os factos acumulados ao longo dos anos. Com muito boa vontade, até podemos (ainda) admitir dúvidas sobre quem disparou o tiro que matou a jornalista da Al Jazeera, mas não há nenhuma dúvida sobre quem é responsável pela morte de Shireen: a ocupação!
Os sucessivos governos de Israel sabem que gozam de impunidade na chamada “comunidade internacional”. Os palestinianos apenas conseguem alguma simpatia, promessas nunca cumpridas e não mais do que isso. Perante os olhos de uma “comunidade internacional” que não se cansa de referir o Direito Internacional (ainda agora na guerra na Ucrânia…), Israel vai alargando território e mantendo uma ocupação ilegal. Quanto a Direito Internacional, a Palestina é um verdadeiro buraco negro onde impera a lei do mais forte, e o silêncio e a inação cúmplices das chamadas democracias ocidentais. Que vergonha!
O correspondente do Le Monde em Jerusalém lembra que ainda hoje estamos à espera que Israel apresente provas da existência de “alvos terroristas” no edifício que bombardeou e destruiu (15 de Maio de 2021), na Faixa de Gaza, onde estavam as instalações da Associated Press e da Al Jazeera. Aposto que quem está a ler este texto já não se lembrava. A estratégia é precisamente essa: apostar no esquecimento.
O mais provável é que, daqui por um ano, a tal investigação com que nos acenam agora para saber as circunstâncias da morte de Shireen, acabe também no esquecimento ou numa qualquer impossibilidade de determinar quem disparou a bala que matou Shireen.
Como disse a Rainha (Rania) da Jordânia, também ela de origem palestiniana, “nenhuma bala pode matar uma causa ou esmagar o espírito de um povo”. Na Palestina ou em qualquer outro lugar.
Shireen Abu Akleh, que descanse em paz! E que quem a assassinou pague pelo crime cometido.