Há muitas maneiras de ver The Cleaners. Pode-se, por exemplo, enxergar o que há de censura na prática de limpar as mídias sociais de conteúdos considerados impróprios, ofensivos, pornográficos ou politicamente indefensáveis. Ou então encarar essa “limpeza” como algo necessário para não difundir e estimular discursos de ódio, exploração de pedofilia, bullying virtual e notícias falsas. Pode-se também tomar o lado de empresas como o Facebook e o Google, que precisam zelar por isso a fim de não terem suas plataformas defenestradas de países inteiros ou acusadas de piorar o mundo em vez de melhorá-lo.

 

 

 

Pode-se, ainda, assistir ao filme como a radiografia de um mundo subterrâneo onde jovens anônimos ganham a vida diante de monitores e da dúvida desgastante entre “deletar” e “ignorar”. Esta coprodução entre Alemanha e Brasil foi rodada majoritariamente em Manila, Filipinas, uma das sedes não identificadas desse serviço terceirizado. Há uma distância social considerável entre os bairros pobres e caóticos onde residem os “moderadores de conteúdo” e os escritórios impessoais em que trabalham. Expostos, dia após dia, a uma overdose de imagens chocantes, eles desenvolvem traumas e alguns preferem abandonar o trabalho depois de um tempo. Fala-se mesmo de um especialista em vídeos de automutilação que terminou por se suicidar.

 

Os diretores Hans Block e Moritz Riesewieck procuraram também usuários atingidos pela faxina digital do Facebook. Uma artista americana comenta o sucesso e o pesadelo resultantes da postagem de sua caricatura de um Trump de pênis mínimo. Um ativista de direita reivindica liberdade para continuar divulgando suas mensagens contra imigrantes e refugiados. Uma ONG londrina coleta imagens de ataques aéreos como prova de guerra antes que elas sejam apagadas por algum moderador.

The Cleaners coloca os termos de um debate urgente. Se por um lado, as mídias sociais aproximam as pessoas e possibilitam ações virtuosas, por outro alimentam a polarização política atual e multiplicam o alcance do ódio contra minorias como os Rohingya na Birmânia. O risco de se controlar esse fluxo insano de ideias e estímulos está no uso político desse controle e, como diz um dos entrevistados, empobrecer a sociedade pela redução de informações provocativas e de vanguarda.

A discussão nos chega sob a forma de um thriller noir, marcado por signos de um “cinema da paranoia”: imagens fragmentadas, ocultações, trilha sonora e efeitos de áudio criadores de tensão, vozes desencarnadas e até um personagem que atravessa o filme sem nunca mostrar seu rosto por inteiro. O estilo às vezes se sobrepõe às necessidades do documentário, denotando um certo fetichismo de gênero. Convém alertar que algumas imagens brutais, deletadas da rede, aparecem aqui, justificadas pelo contexto da reportagem.

Por Carlos Alberto Mattos

Carta Maior